29 julho 2009

O INVERNO DA ALMA



Nesses dias de inverno, a gente não sabe dizer se o que mais sente frio é o corpo, ou a alma. Tudo parece tão retraído. O corpo endurece, fica retido, sem expansão. Com a alma acontece a mesma coisa, com o agravante de que com ela não há cachecol que dê jeito. O corpo a gente ainda pode deixar uns vinte minutos embaixo do chuveiro, naquela água quente pelando maravilhosa, que aos poucos ele vai ganhando maleabilidade de novo. Dá para cuidar dele também com um chá de capim cidreira, uma sopinha de batata baroa e um edredom. Mas e a alma? Como que a gente faz para aquecer essa coisa incorpórea, imaterial e invisível mas que sente frio do mesmo jeito como se fosse pele?

Ando com muito frio na alma desde que me separei. Essa coisa de separação depois de estar a vida inteira casada é uma coisa muito esquisita. Meu coração que antes vivia quentinho, agora não só tá pequeno e dolorido como parece que vive resfriado. Chega a doer no peito. Eu tinha um discurso lindo de que mantinha minha individualidade acima de tudo, que perpetuava meu espaço sagrado como Tatiana e coisa e tal. Tudo balela. Depois que a gente casa acaba virando uma geleca amorfa que geralmente não consegue discernir o que é você e o que é o outro. E aí, quando cada corpo precisa seguir um caminho distinto, ao invés de sair inteiro, sai todo despedaçado. Eu tenho sentido que viver essa nova vida tem sido mais ou menos como querer montar um quebra-cabeça de cem mil peças. Pequenas. Se eu ao menos soubesse tricotar, faria um enorme agasalho para vestir minha alma. E aproveitava para aliviar um pouco o peso que ficou para as meninas... Elas não entendem porque de uma noite para a outra, eu comecei a colocar uma de cada lado do meu corpo na cama de casal. Só consigo dormir depois de sentir o coração de cada uma bater junto ao meu.

Dizem os sábios que o inverno é um tempo de recolhimento, de se voltar para dentro, de entrar na caverna e ter a rica possibilidade de ficarmos cara a cara, bem de perto, com nós mesmos. Bom, contanto que eu possa arrumar essa caverna do meu jeito tudo bem. Quero lá minhas pequenas correndo entre brinquedos, um bom estoque de saquinhos de chá, uma lareira para derreter marshmallows, uma adega simples com muitas garrafas de vinho tinto, uma estante com livros de poesia, crônicas e boas histórias de Isabel Allende, um gramofone para tocar meus saudosos discos de vinil (não cabe nada digital na minha caverna) e um bom estoque de papel e caneta pra eu escrever.

Escrever aquece minha alma. Ainda bem que eu lembrei disso. Não sei tricotar, mas uma colcha de letrinhas vou fazer.

ESPEREI TEMPO DEMAIS


Eu esperei tempo demais para começar.
Esperei ficar madura para só me colher no ponto certo.
Esperei ter histórias melhores para contar
E estar com a casa arrumada, limpa e organizada.

No entanto sei que ainda estou verde de dar cica,
As histórias se acumularam de tal forma que muitas perdi pelo tempo. E a casa, bem... a casa está um brinco, mais ainda tenho gavetas e caixas para arrumar.

Eu esperei tempo demais.
Esperei ter a mesa perfeita, a cadeira correta, a cor de parede ideal.
O computador mais adequado, o teclado mais confortável.
Esperei o inverno chegar, depois a chuva cair, depois vir um dia par.

No entanto sei o quanto cada uma dessas desculpas encobriam
Meu tremendo medo de começar. De me expor. De me colocar na estrada e entender que na vida não há jornada que nos traga de volta.

Eu esperei.

Esperei o melhor tempo do relógio, esperei me separar para ter o tempo só para mim.
Esperei desmamar, a fase de menos demanda das meninas, depois a adaptação da escola.
Depois foi a espera pelo tempo livre que nunca vinha porque afinal eu tinha que cuidar de um lar. Supermercado, banco, compromissos urgentes, obrigações inadiáveis.

No entanto, escrever que era a maior urgência de todas, eu pude adiar. Protelar, prorrogar, fazer esperar a única coisa que tinha pressa. A única e simples coisa que podia me salvar de mim mesma.

Eu esperei tempo demais e agora...

Agora eu acabei de cair da arvorezinha da minha vida.
Madura? Não, verde.
Verde de esperança.