24 novembro 2010

O Pentelho Voador












Poucas coisas nessa vida me tiram do sério. Inseto é uma delas.

Minha vida nova na casa nova é um paraíso. Apartamento térreo, predinho de quatro andares. O lugar é um sonho. Estou onde sempre sonhei estar. Num lugar tranquilo, silencioso, rodeada de árvores por todos os lados, convivendo com passarinhos, corujas, flores de todas as cores... e insetos. Muitos insetos.

Tudo nessa vida tem um preço. E já tem um bocado de tempo que eu aprendi essa lição. Mas há alguns dias, quando completei um mês de vida na roça, tive meu primeiro surto psicótico no adorável condomínio de Bosques de Pendotiba.

Tudo por causa de um microscópico mosquito.

Gente, o que é um ser humano, adulto e inteligente, travar uma batalha de titãs com uma criatura ordinária como o mosquito? Foi uma cena patética.

No entardecer, é preciso fechar todas as janelas porque é no lusco-fusco, a hora em que os mosquitos procuram abrigo. Ok. Mas nossa... eu estava apaixonada pela brisa fresca que adentrava minha bucólica janela, iluminada pela lua cheia daquela noite. Pensava comigo no quão privilegiada era minha nova existência, ali deitada, no lugar mais calmo do planeta. Estava quase pegando no sono, quando ouvi o primeiro rasante da criatura no meu ouvido. Arrancada do momento mágico que antecede nosso primeiro soninho da noite, abri os olhos e pensei: “Cara, não acredito que tem um mosquito no quarto.”

Silêncio. Voltei a olhar para lua e a pensar que no fundo, estava tudo bem. Mosquitos fazem parte desse lugar encantador. Então, vagarosamente fui deitando na cama de novo, pesando a cabeça no travesseiro macio, quase embarcando na jangada dos sonhos, quando...

Zzzziiuuummmmm

Respirei fundo. Tentando me controlar, levantei devagar e fui fechar um pouco a janela. Voltei. Deitei. Outro rasante. Só que dessa vez do outro lado, no outro ouvido. Pronto. Agora eu tinha ficado irritada. Permaneci na cama imóvel e de olhos bem abertos, tentei adivinhar o próximo movimento do pentelho voador. Outro rasante. Foi quando eu dei um pulo da cama, acendi a luz e gritei para as paredes: “Cadê você seu desgraçado!”. Abri correndo o armário, peguei a raquete, liguei no ON e gritei de novo, para quem quisesse ouvir, provavelmente de olhos bem arregalados: “Agora eu quero ver você vir para cima de mim, seu mosquitinho de merda... vem! Vem que eu vou te fritar de uma vez só! ”

Louca. Louca. Louquinha de pedra.

Foi quando começou a guerra. A ridícula guerra entre um gigante e um micróbio. Corri atrás dele uns bons segundos até conseguir, numa jogada de mestre, incinerar o pobre coitado. Um cheiro de defunto invadiu o ar. Olhei o corpinho da coisa pulverizada no chão. Uma meia perninha. Um pedaço da cabeça. Senti culpa. Não pelo mosquito, que tem vida curta mesmo e nem merecia viver depois de me atormentar tanto. Mas culpa pela dimensão do prazer sádico que me deu ver aquela morte. Olhei para raquete e pensei: isso aqui é uma arma carniceira. Um jeito bem esquisito da gente entrar em contato com a nossa sombra mais maquiavélica.

Ainda bem que poucas coisas nessa vida me tiram do sério. Caramba.