21 maio 2010

BRONZE BLUSH


Passo blush para esconder minha tristeza.
Para fingir saúde, para fingir alegria, para fingir perfeição.
Não passo blush só para sair.
Passo blush todas as vezes que dou de cara comigo mesma no espelho de casa
e levo um susto em como envelheci.

Tenho amigos que ainda se impressionam por eu estar sempre coradinha.
Outros que me chamam de boneca.
Minha mãe me chama de velha coroca.
Diz que faço dois círculos vermelhos nas bochecas
como faziam as damas francesas de antigamente.

Eu não ligo.
Não passo blush porque me incomoda a palidez.
Passo blush porque no fundo no fundo
o que eu queria era carregar o sol em mim.

As Máximas da Clara II

Vinha da escola, cansada e emburrada, por não ter podido ficar até o final da apresentação de ginástica artística.

- Acho que você tá com mau humor de fome, filha.
- Não mãe, tô com mau humor de situação.

19 maio 2010

O Feitiço de Carpinejar




Tudo que dizem por aí é verdade: Carpinejar é feiticeiro.

Na semana passada estive em São paulo fazendo um curso de crônicas com ele.
Fui lá especialmente para isso. Deixei duas filhas, um lar de pernas para o ar, uma empregada assoberbada, avós de plantão, um ex-marido sobrecarregado, dez saquinhos de lanche para escola prontos na despensa e uma leve impressão de que já ia tarde.

Há tempos tinha descoberto o sujeito. Por engano e por sorte, acabei encontrando as crônicas dele na internet e um bocado de mim em cada uma delas. Fiz minha inscrição sem ter dinheiro, ganhei de presente a passagem de ônibus, consegui hospedagem na casa da minha avó e acabei descobrindo que todo meu empenho não se devia só à suposta competência do escritor, mas ao nome do curso: Tanta Ternura. Que tipo de curso literário pode ter um nome desses?

É certo que eu andava desesperada de tanto entupimento criativo. Mas o que eu encontrei lá foi muito mais do que um feiticeiro. Encontrei um homem que tem o poder de esfregar as pessoas como quem esfrega uma lâmpada mágica e fazer surgir delas um gênio pronto para lhes conceder o mundo. Tudo é possível para Carpinejar. Sua cartilha é simples e letal. Não há nada no mundo mais poderoso do que a nossa capacidade de ser verdadeiro.

Foi a partir dali que resolvi girar a chave e destravar a porta das minhas histórias invisíveis, do quartinho escuro onde moram as lembranças de tudo aquilo que vi e fingi que não vi. Esse é um passo importante para um cronista. Entender que ela serve não só para falar do miúdo, para elevar o insignificante, mas também para confessar o inconfessável, porque é só nessa ação que mora a reação que a gente espera do leitor: que ele se identifique com o que mora nos subterrâneos de todos nós.

Fabrício ensinou para gente naquela semana que é preciso trabalhar com a dimensão das coisas. Buscar o essencial. Fugir do óbvio. Que todo sentimento tem sintoma. Que mentir é viver uma vida emprestada. E que devemos sempre pensar no avesso das coisas. Porque é lá que a gente se reconhece de verdade.

Tive insônia no ônibus na noite que voltei de São Paulo. Queria passar meu passado a limpo, escanear tudo que estava por ser dito na minha história. Carregar até o último pino toda a memória daqueles cinco dias que tinham me virado de ponta cabeça. E me revelado o caminho para um novo jeito de caminhar. Como que a gente pode sair de casa para fazer um curso de como escrever melhor e volta diplomado em audácia e coragem e pós-graduado no conceito da verdadeira liberdade?

Ninguém me tira da cabeça que o cara se liga em feitiçaria. Macumba braba feita com muita, muita ternura.