Fotografia de Gisele Magalhães
Há magia por todos os lados. Mas nem todo mundo consegue ver.
Quando eu era pequena, os pequenos milagres do mundo atravessavam o meu corpo e brincavam comigo. Não havia espanto com a beleza. Nem estranhamento com a poesia. O que existia era uma profunda compreensão da existência do jeito mais simples de se compreender tudo: existindo. Assim é o universo infantil. Uma percepção sutil e inteligente de quase tudo. A conexão simples entre o céu que nos abraça e a terra que nos acolhe.
Mas um dia a gente cresce. E ninguém mais te deixa ver as coisas que quer ver nem sentir a vida do jeito que gostaria de sentir. É quando começa o duro processo de bloqueamento do ser. Quando a gente é obrigado a aprender a se conter. Se enquadrar. Obedecer. Dizem que é na infância que a gente cria a sombra, aquele lugarzinho onde moram todos os nossos bichos cabeludos. A sombra se cria porque a gente quer ser o que é, mas se aquilo não se enquadra no quadro chato da caretice adulta, alguém vem e diz: menos fulaninho, menos. E a gente pega aquilo que era mais na gente e esconde. Pronto. Começa então o ardiloso processo de armazenamento de tudo aquilo que em nós poderia ser autêntico - e genial - mas que acaba sendo censurado porque teve algum espírito de porco que veio cortar as nossas asinhas. Sim, na sombra moram os nossos bichos cabeludos, mas também mora a nossa potencialidade mais pura, isto é, aquilo que em nós era magnífico... e que ninguém deixou a gente desenvolver porque precisava se comportar.
Ai que saco.
E olha, tem que entrar no esquema viu, porque senão passa o resto da vida sofrendo sérias retaliações. Já perdi a conta de quantas vezes fui acusada de ser infantil. Como assim você quer correr atrás de vaga-lume? Como assim você quer dançar na chuva? Adultos que ainda tentam ver o mundo com a lente especial da meninice, são e sempre serão acusados de um crime hediondo: imaturidade.
Mas, quando a gente pensa que está tudo perdido, vem a Mãe Natureza e nós dá uma nova chance. Como? Nos dando a incrível oportunidade de colocar criancinhas no mundo. A vida te chama na chincha para crescer – procriar é dar existência a outro ser, ninguém procria sem amadurecimento – mas ao mesmo tempo te dá de brinde uma segunda chance. Você pode olhar para tudo de novo, só que dessa vez, através das lentes coloridas dos seus filhos. Olhar através dos olhinhos deles. Que não deixam de ser um pouco dos seus próprios olhos. Já pensou?
Depois que as minhas filhas nasceram, sinto que voltei a ter permissão de pirar no algodão-doce. E hoje fazemos um intercâmbio mágico, emocionante e curativo. Eu mostro para elas o que há por trás dos desenhos do incenso e da chama da vela e elas me relembram a perfeição das bolinhas de sabão. Aponto o arco-íris no céu e elas me apontam o coelho correndo nos flocos das nuvens. Juntas descobrimos que o mesmo vento que faz a gente rodopiar é o vento que varre o pensamento. E é o mesmo vento que toca o sininho e faz a pipa voar. Se ensino para as duas que dentro dos potinhos de tinta moram um monte de desenhos escondidos, elas me ensinam em que flores no jardim tem cada uma daquelas cores.
Outro dia ouvi Clara dizendo para uma amiga no condomínio: “Minha mãe é a única mãe no mundo que deixa a gente tomar banho de chuva." A menina respondeu: "Não é não. A minha também deixa, as vezes. "É, mas ela não toma banho junto com você, toma?"
Há magia por todos os lados. Não consegue enxergar? Faz um neném.