Alguma coisa aconteceu ontem.
Tem noites que eu me sinto muito sozinha. O dia vai bem. A manhã passa depressa e a tarde sempre me traz de presente algumas horas livres para escrever. E o dia tem o sol que acaba iluminando as minhas sombras, mesmo as mais sombrias. Mas quando cai a noite eu começo a me sentir muito só. Em outros tempos era a minha hora predileta, justamente o momento em que o sol saía de cena e a lua chegava me trazendo inspiração, quietude, reflexão.
Mas ontem aconteceu alguma coisa diferente.
A lua já tinha me trazido as bonecas da escola, exaustas e famintas e com elas a infinita lista de afazeres que se resumem as nossas noites. Eu sei que sou uma mamãezinha para lá de exagerada, mas fazer o que? Chegaram? Jantar, suco, sobremesa. Banho na primeira. Secar os dedinhos do pé, colocar talco, limpar as orelhas com cotonetes falantes, hipoglós, fralda, desembaraçar o cabelo. Banho na segunda – esse com um tanto de briga claro, para entrar e para sair – coordenar a esponja com sabão, o xampu, o condicionador. Depois outra luta para ensinar como se seca sozinha. Outro pijama, outro cabelo para desembaraçar, unhas compridas para cortar. Hora de fazer as camas. Preparar o quarto para dormir. Ligar o abajur. Sim, o Toddy, que ainda por cima tem que ser quentinho e da cor exata se não o freguês devolve... Finalmente escovar os dentes, passar fio dental. Bochecho, o ultimo xixi e cama. Ufa.
Deitei com elas e de novo me bateu aquela dor no peito. Eu as tenho tão perto do meu coração. A solidão que sinto não tem nada a ver com elas, é comigo. É essa solidão de não poder mais compartilhar esse amor nos moldes que sonhei de família. Quando a gente ama desesperadamente os filhos, precisa muito dividir esse amor. Até porque minhas filhas são duas preciosidades. De pijama então, me deixam louca de paixão. Clara e Catarina. Uma, miniatura da outra. Muitas vezes penso em como posso ter feito coisas tão perfeitas. É demais ver as duas agarradas aos seus respectivos ursos de estimação. Clara com Teddy e Catarina com... Teddynho, claro. Dois ursos iguais, só que de tamanhos diferentes, na proporção certa, para cada uma. São crianças de sonho. Devagarinho as vejo se acomodando entre minhas coxas, colo e os tantos travesseiros macios que estão sobre a nossa cama. Exalam um cheiro doce, puro, divino. De olhos bem abertos, me esperam abrir o mágico caderno das canções de ninar.
Sim, foi através dele que ontem aconteceu alguma coisa diferente dentro de mim.
Sempre cantei para as meninas dormirem. Foi uma tradição que herdei da minha mãe e fiz questão de manter. Nunca esqueci a voz dela me encaminhando devagarinho para o mundo dos sonhos. Só que ao longo dos quase sete anos de maternidade, foram tantas as músicas que acumulei no meu repertório, que comecei a confundir as letras e por isso resolvi fazer um caderno, escrito à mão, com uma caneta roxa de glitter, com cheiro de uva.
Ontem eu cantei o caderno inteiro.
E a cada canção cantada, eu dissolvia um pouco o nó que apertava o meu peito. Foi então que eu descobri que nas canções de ninar existe um ungüento mágico e poderoso. Que o som da minha voz cantando aquelas melodias podia fazer um caminho secreto dentro de mim, me levar por um túnel no tempo, para o melhor e mais iluminado pedaço da minha vida, quando eu era pequenininha e não conhecia a solidão. Foi extraordinário.
Hoje eu não tive receio da noite, nem da falta do sol, nem das minhas sombras. Porque eu sei que existe uma luz dentro de mim que ilumina qualquer medo. E nem precisa ligar o abajur. Basta cantar Alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado... o meu amor, que me disse assim, que a flor do campo se chamava alecrim...
Tem noites que eu me sinto muito sozinha. O dia vai bem. A manhã passa depressa e a tarde sempre me traz de presente algumas horas livres para escrever. E o dia tem o sol que acaba iluminando as minhas sombras, mesmo as mais sombrias. Mas quando cai a noite eu começo a me sentir muito só. Em outros tempos era a minha hora predileta, justamente o momento em que o sol saía de cena e a lua chegava me trazendo inspiração, quietude, reflexão.
Mas ontem aconteceu alguma coisa diferente.
A lua já tinha me trazido as bonecas da escola, exaustas e famintas e com elas a infinita lista de afazeres que se resumem as nossas noites. Eu sei que sou uma mamãezinha para lá de exagerada, mas fazer o que? Chegaram? Jantar, suco, sobremesa. Banho na primeira. Secar os dedinhos do pé, colocar talco, limpar as orelhas com cotonetes falantes, hipoglós, fralda, desembaraçar o cabelo. Banho na segunda – esse com um tanto de briga claro, para entrar e para sair – coordenar a esponja com sabão, o xampu, o condicionador. Depois outra luta para ensinar como se seca sozinha. Outro pijama, outro cabelo para desembaraçar, unhas compridas para cortar. Hora de fazer as camas. Preparar o quarto para dormir. Ligar o abajur. Sim, o Toddy, que ainda por cima tem que ser quentinho e da cor exata se não o freguês devolve... Finalmente escovar os dentes, passar fio dental. Bochecho, o ultimo xixi e cama. Ufa.
Deitei com elas e de novo me bateu aquela dor no peito. Eu as tenho tão perto do meu coração. A solidão que sinto não tem nada a ver com elas, é comigo. É essa solidão de não poder mais compartilhar esse amor nos moldes que sonhei de família. Quando a gente ama desesperadamente os filhos, precisa muito dividir esse amor. Até porque minhas filhas são duas preciosidades. De pijama então, me deixam louca de paixão. Clara e Catarina. Uma, miniatura da outra. Muitas vezes penso em como posso ter feito coisas tão perfeitas. É demais ver as duas agarradas aos seus respectivos ursos de estimação. Clara com Teddy e Catarina com... Teddynho, claro. Dois ursos iguais, só que de tamanhos diferentes, na proporção certa, para cada uma. São crianças de sonho. Devagarinho as vejo se acomodando entre minhas coxas, colo e os tantos travesseiros macios que estão sobre a nossa cama. Exalam um cheiro doce, puro, divino. De olhos bem abertos, me esperam abrir o mágico caderno das canções de ninar.
Sim, foi através dele que ontem aconteceu alguma coisa diferente dentro de mim.
Sempre cantei para as meninas dormirem. Foi uma tradição que herdei da minha mãe e fiz questão de manter. Nunca esqueci a voz dela me encaminhando devagarinho para o mundo dos sonhos. Só que ao longo dos quase sete anos de maternidade, foram tantas as músicas que acumulei no meu repertório, que comecei a confundir as letras e por isso resolvi fazer um caderno, escrito à mão, com uma caneta roxa de glitter, com cheiro de uva.
Ontem eu cantei o caderno inteiro.
E a cada canção cantada, eu dissolvia um pouco o nó que apertava o meu peito. Foi então que eu descobri que nas canções de ninar existe um ungüento mágico e poderoso. Que o som da minha voz cantando aquelas melodias podia fazer um caminho secreto dentro de mim, me levar por um túnel no tempo, para o melhor e mais iluminado pedaço da minha vida, quando eu era pequenininha e não conhecia a solidão. Foi extraordinário.
Hoje eu não tive receio da noite, nem da falta do sol, nem das minhas sombras. Porque eu sei que existe uma luz dentro de mim que ilumina qualquer medo. E nem precisa ligar o abajur. Basta cantar Alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado... o meu amor, que me disse assim, que a flor do campo se chamava alecrim...