Tudo que dizem por aí é verdade: Carpinejar é feiticeiro.
Na semana passada estive em São paulo fazendo um curso de crônicas com ele.
Fui lá especialmente para isso. Deixei duas filhas, um lar de pernas para o ar, uma empregada assoberbada, avós de plantão, um ex-marido sobrecarregado, dez saquinhos de lanche para escola prontos na despensa e uma leve impressão de que já ia tarde.
Há tempos tinha descoberto o sujeito. Por engano e por sorte, acabei encontrando as crônicas dele na internet e um bocado de mim em cada uma delas. Fiz minha inscrição sem ter dinheiro, ganhei de presente a passagem de ônibus, consegui hospedagem na casa da minha avó e acabei descobrindo que todo meu empenho não se devia só à suposta competência do escritor, mas ao nome do curso: Tanta Ternura. Que tipo de curso literário pode ter um nome desses?
É certo que eu andava desesperada de tanto entupimento criativo. Mas o que eu encontrei lá foi muito mais do que um feiticeiro. Encontrei um homem que tem o poder de esfregar as pessoas como quem esfrega uma lâmpada mágica e fazer surgir delas um gênio pronto para lhes conceder o mundo. Tudo é possível para Carpinejar. Sua cartilha é simples e letal. Não há nada no mundo mais poderoso do que a nossa capacidade de ser verdadeiro.
Foi a partir dali que resolvi girar a chave e destravar a porta das minhas histórias invisíveis, do quartinho escuro onde moram as lembranças de tudo aquilo que vi e fingi que não vi. Esse é um passo importante para um cronista. Entender que ela serve não só para falar do miúdo, para elevar o insignificante, mas também para confessar o inconfessável, porque é só nessa ação que mora a reação que a gente espera do leitor: que ele se identifique com o que mora nos subterrâneos de todos nós.
Fabrício ensinou para gente naquela semana que é preciso trabalhar com a dimensão das coisas. Buscar o essencial. Fugir do óbvio. Que todo sentimento tem sintoma. Que mentir é viver uma vida emprestada. E que devemos sempre pensar no avesso das coisas. Porque é lá que a gente se reconhece de verdade.
Tive insônia no ônibus na noite que voltei de São Paulo. Queria passar meu passado a limpo, escanear tudo que estava por ser dito na minha história. Carregar até o último pino toda a memória daqueles cinco dias que tinham me virado de ponta cabeça. E me revelado o caminho para um novo jeito de caminhar. Como que a gente pode sair de casa para fazer um curso de como escrever melhor e volta diplomado em audácia e coragem e pós-graduado no conceito da verdadeira liberdade?
Ninguém me tira da cabeça que o cara se liga em feitiçaria. Macumba braba feita com muita, muita ternura.