31 janeiro 2012

Ensaio sobre a Sangueira



TPM só pode ter sido um mecanismo diabólico inventado por Deus. Um plano maquiavélico que Ele tinha em mente, para fazer a gente virar o mundo do avesso todo mês. Ele sabia que o mundo precisava disso. Que geralmente é no avesso que está o direito. E obviamente que Ele sabia também que só a mulher podia dar conta desse serviço.

Desde a adolescência até a velhice, nós mulheres somos induzidas mensalmente a fazermos um pequeno mergulho no abismo de nós mesmas. Somos violentamente conduzidas por uma orquestra afinada de hormônios que nos fazem viver a seu bel-prazer. Quando é o estrogênio que manda, ficamos poderosas. Lindas, exalando sensualidade, com a libido à flor da pele, felizes e bem dispostas. Uma beleza. A natureza quer que a gente procrie. E faz a gente arrepiar no calçadão. Depois que passa o período da ovulação e a natureza se dá conta de que não houve nada de novo no front, traz de presente o período das trevas. A progesterona manda e a gente chora. O tempo todo, por qualquer motivo. De divas passamos à categoria de trapinho velho.  Ficamos tristes, sombrias e inchadas.

É real. A coisa toda é muito real. E o pior é que o assunto está para lá de batido. Todo mundo já falou sobre. Já discutiu sobre. E mesmo assim, a gente continua passando pela mesma história todo mês, sem descanso, sem pausa, se sentindo no mínimo injustiçada. Porque nada do que foi dito, nada do que foi escrito, aplaca a dor da incompreensão do nosso processo. Pelo menos, nos dias de hoje, nessa sociedade em que vivemos.

No tempo em que o homem vivia mais próximo da natureza e dos seus ciclos, a menstruação nas mulheres era coisa respeitada e reverenciada. Pela tradição indígena, por exemplo, uma mulher em seu ciclo lunar era considerada pela tribo, uma mulher em estado absoluto de graça. Ela tinha permissão de se recolher à Tenda da Lua e se isentar de todas as tarefas domésticas, como cozinhar e cuidar de seus filhos. O Tempo da Lua era considerado um tempo sagrado da mulher, quando ela recebia as honras por ser a Mãe da Energia Criativa. Durante esse ciclo ela deveria se libertar das energias antigas que seu corpo vinha carregando e se preparar para a religação com a fertilidade da Mãe Terra, aquela que ela seria portadora no próximo mês. Nossos ancestrais sabiam o quanto era importante dar espaço para que cada mulher pudesse se aprofundar em si mesma em seu espaço sagrado durante esse período. Afinal, eram elas as mães da tribo. Eram elas que davam continuidade à nação. Eram elas que abrigavam em seus ventres os sonhos de toda uma geração. Por isso, nada mais justo que em seu período de Lua, elas apenas descansassem.

Agora me digam, onde é que cabe essa coisa linda e respeitosa às mulheres hoje em dia? Se elas próprias estão tão distantes de sua sabedoria feminina? Hoje o que a mulher vive em seu período da Lua é um verdadeiro massacre da serra elétrica. Porque passa pelo processo tendo que disfarçar tudo o que sente. É um achatamento da sua natureza. Ela quer se recolher e não pode. Quer ficar quieta e não pode. É daí que nasce sua tristeza. Aquela que se transforma em melancolia. Até ultrapassar todos os limites e ver sua melancolia se transformar numa irritação profunda. Que não precisa de nada para virar uma raiva colossal do mundo e de todas as coisas vivas sobre ele. É complicado. Mas é verdade.

Nada do que vivemos é inventado. O que acontece é físico. Eu mesma vivi uma prova concreta disso no mês passado. Estava trabalhando num texto complexo e a coisa ia toda muito bem. De repente, um dia eu acordei e sentei para escrever. As palavras não se encaixavam. As idéias, que antes se concatenavam com tanta facilidade, agora tinham virado um grande mar de pensamentos confusos. Eu pensei: meu deus, o que é que tá acontecendo comigo? Olhei no calendário e batata. Tinha acabado de entrar no meu período pré-menstrual.

E os transtornos físicos que o corpo passa? A gente sofre e não reclama porque senão é chamada de fresca. Dor de cabeça. Indisposição. Inchaço. Cólica? Ah, isso é besteira! Toma um antiespasmódico e pára de reclamar! É igual gripe, todo mundo tem, é um horror mas ninguém respeita o mal-estar que se passa. Afinal de contas, é só uma gripe. Como assim é só uma gripe? Como assim é só uma TPM?

O Tempo da Lua é um desafio para a mulher. Todo mês ela entra em contato com o seu mundo interno porque os hormônios forçam esse contato. Eles manipulam essa necessidade para que a mulher, ao não fecundar nenhuma vida, possa ter a oportunidade de renovar a sua própria vida e regenerar seu corpo. É um rito de amadurecimento. Uma passagem que ela faz, todos os meses, pelo mais sombrio e profundo dela mesma. E é por isso que eu não entendo, mesmo com toda a dificuldade, o que faz uma mulher, um dia, resolver ir contra a sua natureza e não menstruar mais. Geralmente os motivos são sempre os mesmos: falta de paciência com o mal estar provocado pelo ciclo e nojo de seu próprio sangue. As mulheres que fazem isso assinam o divórcio com o seu feminino. E isso é uma pena. Porque ao se desconectarem de quem são, imediatamente condenam o mundo a um desequilíbrio energético colossal.   

Por mais triste, confusa, inchada e irritada que eu fique, eu não abro mão de ser quem eu sou. Não abro mão de entrar em contato com essa força. E entender que é nesse período que eu vou ter a chance de ouro de ouvir o que meu corpo tem a dizer, o que as minhas sensações podem traduzir de mim mesma. É justamente nesse caldo de sangue que a minha sabedoria vai transmutar tudo aquilo que a minha consciência não conseguiu entender ao longo do mês.
  
Deus tinha mesmo um plano diabólico para nós mulheres, quando inventou a menstruação. Era justamente nos lembrar, mês a mês, que a força do mundo não está nas mãos de ninguém. Está no ventre das mulheres. Toda as vezes que ela decide ou não, fecundar o mundo. Ave Eva!

24 janeiro 2012

O batismo cósmico

Foto de Patricia Mendes

Há muito, muito tempo atrás, quando esse meu corpinho ainda tinha dezoito anos, eu resolvi que queria ser atriz profissional.

O teatro era a minha vida. Meu oxigênio. Minha razão para estar no mundo. Eu nutria pelo palco uma paixão visceral e dramática, exatamente como mandava o figurino de uma atriz do porte que eu sonhava em ser: uma Sarah Bernhardt brasileira. Então, a primeira correção que precisava ser feita em mim mesma era justamente meu nome.

Tatiana de Lima Monteiro? Mas isso não era nome de diva. Lima Monteiro não me parecia sonoro, nem impactante. O Tatiana era bom. Mas o que eu precisava era de buscar um sobrenome artístico que fosse diferente de todos os nomes que estivessem por aí. Algo que fosse especial. De preferência que começasse com a letra T. Nada mais glamouroso do que um nome e um sobrenome começando com a mesma letra, como Marilyn Monroe, por exemplo.

Telink.

Foi quando nasceu o Telink. Idéia de Dona Irene, minha mãe visceral e dramática, que sempre adorou colocar lenha na minha fogueira criativa. A doninha pegou o nome da já famosa escritora russa Tatiana Belinky e fez um furdunçozinho bem singelo para encaixar o meu desejo de ser diva ao meu nome de registro.

E por um bom tempo a coisa deu certo. Trabalhei profissionalmente durante anos com esse nome. Conheci muita gente e muita gente hoje me conhece por Telink. A coisa foi tão forte que se a gente “der um Google” no sujeito, se surpreende com a quantidade de notícia que existe numa coisa que foi inventada.

A questão toda veio depois. Um dia coloquei filhas no mundo e isso mudou muito meu jeito de ver o mundo. Larguei o teatro e passei a nutrir uma paixão visceral e dramática por elas. E foi a partir dessa paixão que a escrita nasceu na minha vida. Há muitos anos escrevo sob o pseudônimo de Tatiana Telink. Mas por mais que eu escreva com amor e dedicação, por mais leitores queridos que eu tenha, há muito tempo tento me sustentar com esse ofício e simplesmente não consigo.

Foram precisos vinte anos para que eu caísse no colo de uma taróloga maravilhosa que me disse com compaixão, uma coisa simples, mas avassaladora: É querida, talvez como Tatiana Telink você não consiga chegar muito longe, sabe por quê? Porque essa pessoa não existe. Tudo que o destino traçou para você está no seu nome de registro.

“O que não é reconhecido, não é celebrado. E o que não é celebrado, acaba saindo da sua vida” disse ela.

Naquele momento, um milhão de fichas caíram na minha cabeça. E eu compreendi que a Tatiana Monteiro que havia sido deixada de lado todos esses anos, precisava renascer. Que eu precisava honrar o nome que tinha recebido dos meus pais e que ele carregava nada mais nada menos, que toda uma linhagem sagrada de ancestrais que me apoiavam e me ajudavam na jornada da minha vida.

E é por isso que eu resolvi escrever esse texto hoje, o primeiro a entrar no blog em 2012. Porque precisava sacramentar esse batismo cósmico em mim mesma. E ver renascer meu lindo e forte nome Tatiana Monteiro - de registro burocrático na Terra e espiritual no Cosmos - e ver se eu consigo de uma vez por todas dar um jeito de me sustentar financeiramente nesse estranho e incoerente mundo dos homens.

Tatiana Telink, minha querida
Eu te agradeço por toda as histórias que trilhamos juntas nessa vida. Por tudo aquilo que aprendemos. Mas agora eu preciso deixá-la ir para que eu possa colocar no lugar certo a minha verdadeira identidade. Reconhecer meu nome para que ele encontre a força da minha própria voz. E que eu possa com isso finalmente honrar o destino que vim cumprir nessa vida.

Que todos os caminhos de prosperidade e abundância se abram meu Deus do Céu!

Seja bem vinda Tatiana Monteiro. O corpinho já não é mais tão jovem, os sonhos já estão meio gastos, mas eu tenho certeza que a alegria continua a mesma. E a esperança... ah essa daí eu tenho de sobra. Devo ter trazido no DNA da minha família querida. A Lima Monteiro.



para Heloisa Espósito
 a taróloga maravilhosa.