04 março 2011

Bipolaridade Materna

Arte de Maitena


Minha bipolaridade materna ainda vai me enlouquecer.

Não sei quantas mães passam por isso. Não sei dentro de quantas casas isso acontece. Mas a verdade é que tem dias que eu preciso sair correndo e ir dar um grito bem histérico na varanda. Mesmo que seja um grito histérico mudo, para não assustar as meninas nem os vizinhos. Uma das minhas tentativas desesperadas de equilibrio psicológico.

Gente, criança é uma dádiva. Em todas as fases. Em todos os sentidos. Conceber, parir, alimentar. Depois ver crescer, se desenvolver, desabrochar. Esses anjos caídos do céu tem o cheiro mais inebriante que eu já senti. Eles tem pele de nuvem. São espontâneos, adoráveis, amorosos. E conseguem conter dentro daquele corpinho minúsculo, o melhor e mais genuíno da nossa espécie. Mas as vezes - muitas vezes – também são as criaturinhas mais insuportáveis do mundo.

Deixa eu explicar.

Quem me conhece sabe que eu sou, desde que as gurias nasceram, um coração partido em dois batendo fora do corpo. Foi depois que Clarabela e Catalinda chegaram, que minha vida passou a ter sentido. Não que antes a vida não fosse maravilhosa. Ela era. Mas sentido, não tinha não. Minhas meninas me trouxeram em suas asas uma certeza etérea de pertencimento ao mundo. Uma resposta concreta às perguntas mais existenciais que eu já tinha feito às estrelas. Um entendimento absoluto da minha capacidade de amar e me doar em forma de leite, afeto e compreensão.

Mas quando os nenéns deixam de ser nenéns e se tornam essas coisinhas que andam e gesticulam e falam e se acham gentinha, trazem com elas acoplado às bochechas, um teste diário de paciência, resistência e benevolência. E é aí que a gente entra em contato com um adormecido monstro do Lago Ness dentro de nós. Porque essas nossas criancinhas provocam na gente os mais contraditórios sentimentos. Dizem as más linguas psicanalíticas, que quem sofre o rompante dessa raiva colossal, nem sempre é a Tatiana adulta e consciente e sim, uma criança interna minha que de alguma forma foi ferida e reage lá de dentro com um sentimento quase sempre... infantil. Hã... é, pode ser. Mas independente de quem ou o quê acorda o meu monstro no fundo do lago, a questão é que me assusta muito a percepção dessa bipolaridade que meu coração é capaz de chegar.

A oscilação entre amor e ódio ocorre entre segundos. Dou o grito. Ela não obedece. Mas é quarta vez que eu estou pedindo para você entrar no banho! Ai ela dá um sorriso. Eu me desmancho. Finalmente entra no chuveiro. Outra malcriação. Agora o drama é para passar o xampu. E eu penso comigo: meu deus, eu tô tão cansada... Ela retruca: mas mamãe, eu tenho dileito de fazer tudo sozinha! Aí eu acho lindo. E me encho de orgulho por esse desejo dela de emancipação. O trocinho só três anos! O tempo passa. Vamos sair do banho, meu anjo? Agora a manha é para sair do banho. Mas você chorou tanto para entrar, não dá para variar um pouco o repertório e não chorar para sair? Não. Não dá. Ela tá cansada - eu penso. Paciência, mamãe, paciência... Dou-lhe uma, dou-lhe duas... Catarina! Ela cruza os braços e me dá as costas. Para não enforcar o pescocinho, vou até a cozinha tomar um chá mate. Respiro fundo. Volto e digo alto e em bom tom: Vamos sair A-GO-RA. Ela diz que não. Então eu desligo o chuveiro e uso minha força para colocá-la para fora. Firme, a coloco em pé em cima do tapetinho do banheiro. Ela recolhe as pernas. Senhor, alguém me ajuda! É quando finalmente eu dou o grito que balança a casa. Ela se assusta. Coloca os pés no chão devagarinho. E das duas bilhas castanhas saltam duas gotas de lágrimas sentidas e transparentes. Aquele choro sofrido. Mudo. Decepcionado. Meu coração se contrai e eu penso: como posso ser tão megera?

Alou? Alguém pode me internar?

Nessas horas eu não penso em mais nada. Claro, porque depois do choro ela diz sempre: mamãe, será que você pode me dar um abracinho agora? Mas depois... depois que eu me acalmo e volto a ter algum discernimento, entendo que não vai dar nunca para compreender o que é um coração bipolar.

Vocês acham que a coisa pára por aí? Não... a coisa não termina nesse happy end lindo. Minha noite ainda me reserva todo um processo de vestir pijamas, pentear cabeleiras e escovar dentes. É. Escovar dentes. Praticamente um pesadelo para mim. Por que? Porque Catarina é o tipo de criança que tranca a escova na boca enquanto estou escovando os dentes dela. Uma delícia de criança. E quando eu acho que tudo acabou, que o quarto está escuro e elas estão em silêncio, minha grandona pula da cama e grita desesperada: Mas mamãe... e o nosso Toddy? Você esqueceu o nosso Toddy!

A verdade é que desde que eu fiquei sozinha a coisa toda piorou muito. Essa aventura de ter filhos pequenos é para quem sempre desejou ter uma vida selvagem. Mas eu nunca desejei ter uma vida selvagem sozinha. Porque por mais presentes que sejam os ex-maridos, é no cotidiano que a gente sofre essa solidão cansada e se descabela quando desconfia, que esse modo de vida, nunca mais vai mudar.

Eu sei que vai. Um dia esse tempo vai passar e eu vou olhar as fotos delas com uma saudade dilacerante de quando elas eram pequenininhas. É injusta essa parte da evolução da espécie. Porque eles crescem e viram nossos amigos. Companheiros de caminhada, espectadores da nossa história. É maravilhoso. Mas ainda assim é duro saber que de alguma forma, aquelas crianças bagunçeiras e melequentas, a gente não vai poder segurar no colo nunca mais.

Hummm. Pensando bem... ainda bem.

26 comentários:

  1. Eu sou Tripolar !!!! Muito bom Tili.

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  2. Tatiana,

    Amei teu texto, realista demais...Acho que somos todas assim, ne?
    Nao estou sozinha mas tambem tenho a sensaçao de desespero, porque mae sempre cuida mais e criança sempre desobedece mais mae do que pai!!!
    E esse sentimento de ve-las crescerem, até doi...Mas assim e a nossa vida linda e rica com meninas.
    beijos je t'aime
    Andrea (Watkins)

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  3. FANTÁSTICO !!!
    ME IDENTIFICO MUITO COM OS SEUS TEXTOS, ADORO A SUA FORMA DE ESCREVER.
    FUI LENDO O TEXTO E VISUALIZANDO VOCÊ COM AS MENINAS , MUITO BOM. SEUS TEXTOS SÃO UM PRESENTE PARA MIM .
    BEIJOS LOBA MARTHA

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  4. Estou chorando e ri alto agora há pouco!!
    Como você, como a gente faz o dia inteiro..
    Preciso te ligar, esse é o melhor texto seu!

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  5. Tatiana,

    A-do-rei! Não tenho filhos, mas me identifiquei com a sua luta cotidiana, solitária, cansativa - eu cuido de oito cães e dois gatos praticamente sozinha (de segunda a sexta) ... claro que não são crianças com vontade própria, mas também dão um trabalho ... Beijos mil e até o próximo círculo mágico!
    Ana

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  6. Sempre fico imaginando como deve ser ter uma mãe com esta bipolaridade. Ler sobre a sua bipolaridade materna me fez lembrar estas experiências que tive mais de 20 anos atrás. E me veio uma nostalgia, uma vontade de voltar lá atrás e fazer o caminho todo de novo. Não saudosismo não, é saudade daquilo que vivi tão intensamente... e sozinha, na maior parte do tempo, mas que valeu cada segundo de sensação de pertencimento que vc descreve. Já te falei do quanto fico inebriada com essa viagem que você me proporciona com os seus textos? com amor, Djaala

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Gostei do texto Tati. Elas são dois anjinhos mesmo. Assim que cheguei soube que uma grande amiga minha está grávida! Que venham mais anjinhos...

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  9. Que texto mais lindo! Beijos maezona, lobona, mulherona...

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  10. She is baaaack!!!!!!!!!!!!

    Nothing short of brilliant!

    OM Namanh Shivaya

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  11. haha Tati me identifiquei muito com o texto! Também já passo por isso... mesmo com uma lindeza de ser tão pequenina :) Mas, é super normal e acontece comigo todos os dias. Pensando bem, que louco isso né... ser mãe é padecer num paraíso, mas tb é andar chorando num sorriso!

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  12. Tatyana, sem dúvida esse é seu "assunto", quando você escreve como é ser mãe e sobre as meninas, você se supera em todos os sentidos, aquele dos seios e esse, são os melhores textos que li seus. Te amo.
    escreve, escreve, escreve, escreve

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  13. Por isso que eu costumo dizer, Tati, que a maternidade é uma aventura muito mais radical e exige muito mais coragem do que qq esporte radical, montanha russa radical, o u coisa que o valha.

    Amei o post, especialmente pq ultimamente o monstro do lago ness não anda muito adormecido por aqui... eu e Laurinha andamos numa fase complicadinha da nossa relação. Ler que tem mãe que nem eu, humana, real, de vez em quando, é muito bom. Pq a vida não é um comerciald e margarina (aliás, eca, detesto margarina).

    beijo!
    Re

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  14. Maravilhoso!virei fã!voltarei sempre!
    me identifiquei demais com este texto!
    hahaha sou completamente bipolar!

    um beijo
    Flô

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  15. Achei o máximo! Nunca vi algo tão realista! Kkkkkkkk

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  16. Tati, que delícia de texto! Lendo, escutei cada dengo, cada grito, cada som... ri, fiquei cansada e me apaixonei pelos instantes vividos.
    Beijo grande,
    Lívia

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  17. Que maravilhoso Tit!!!!Chorei muito...Fiquei com saudades,daqueles momentos de desespero, mas que ao longe se ouvia aquela pessoinha fofa pedindo desculpas,definitivamente tudo passa.Essas nossas crias sao uma dádiva.

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  18. Ser mãe não é nenhum glamour!
    Eu já fui tripolar e venci.
    Achei o texto legal.
    Bom mesmo é ser vó.

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  19. Oi Tati,
    Reservei a manhã de domingo pra ler seu texto com as meninas. Acredita que passamos o mesmo de ontem pra hoje?
    Boa crônica, impossível ter um anjo (ou monstro) de 3 anos desse e não se identificar com a cena do banho. A Ane faz a mesma birra com o xampu e com o resto todo...
    Beijo do Augusto, Natália e Anelise.

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  20. Parece que Vinícius de Moraes também era um pai "bipolar" como você!

    "Filhos... Filhos?
    Melhor não tê-los!
    Mas se não os temos
    Como sabê-lo?
    Se não os temos
    Que de consulta
    Quanto silêncio
    Como os queremos!
    Banho de mar
    Diz que é um porrete...
    Cônjuge voa
    Transpõe o espaço
    Engole água
    Fica salgada
    Se iodifica
    Depois, que boa
    Que morenaço
    Que a esposa fica!
    Resultado: filho.
    E então começa
    A aporrinhação:
    Cocô está branco
    Cocô está preto
    Bebe amoníaco
    Comeu botão.
    Filhos? Filhos
    Melhor não tê-los
    Noites de insônia
    Cãs prematuras
    Prantos convulsos
    Meu Deus, salvai-o!
    Filhos são o demo
    Melhor não tê-los...
    Mas se não os temos
    Como sabê-los?
    Como saber
    Que macieza
    Nos seus cabelos
    Que cheiro morno
    Na sua carne
    Que gosto doce
    Na sua boca!
    Chupam gilete
    Bebem shampoo
    Ateiam fogo
    No quarteirão
    Porém, que coisa
    Que coisa louca
    Que coisa linda
    Que os filhos são!"

    Extraído do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 195.

    Beijos de amor absoluto,
    Mamy

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  21. Tati,
    Tem um livro que é bacana: "A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra", da Laura Gutman. Ela fala um monte de coisas que todo mundo já sabe, mas de um jeito bom de ler. Tipo coisas séria em versão pop, sabe? Lembrei desse livro lendo teu relato.
    Bj!
    Ana

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  22. Tati,
    Gosto de ouvir suas hitórias, gosto de saber das meninas, me identifico com vc, desde que conheci seu ex como colega de trabalho, ele falando das meninas e eu defendendo o ponto de vista de uma mulher separada e criando filhos sozinha...rsrs...minha "monstrinha" tá com 14 anos e eu continuo sofrendo de bipolaridade e sentindo o peso do mundo em minhas costas em ter que dar conta...mais sei que vamos conseguir! Por elas!
    Bjs

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  23. Oi Tati,
    rs, é assim mesmo. Quem mandou a gente nascer humano??? :)

    Ser pai ou mãe é um exercício de manter o equilíbrio o tempo todo. Vc não pode mandar no seu filho o tempo todo, mas ao mesmo tempo tem que ficar orientando ele. Não dá pra ficar controlando tudo..., a gente pira.

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  24. Parabéns, até me deu um alivio ao ler seu post. Passo por tudo isso, tenho 02 lindas filhas uma de 08 anos e outra de 02, sou louca por elas, mas, as vezes sinto que vou enlouquecer, da até um remorso depois de receber um lindo sorriso de dois anjinhos. Trabalho fora o dia todo e quando chego em casa começa a loucura...ao mesmo tempo que fico radiante de felicidade de estar perto das minhas filhas eu fico a beira de um colpaso nervoso, com tanta desobediencia e traquinagem, fico exausta não tenho tempo para nada e se não tiver ajuda, só consigo fazer algo para mim como tomar um banho, depois que as duas estão dormindo..isso lá pelas 23:30h..eu acabada parecendo uma louca, a cabeça explodindo, preciso ir dormir, porque as 05h tenho que acordar, o transporte escolar da mais velha passa impreterivelmente as 05:50h..é assim com a graça de Deus mais um dia começa...sei que um dia sentirei falta delas pequenas, e até darei risada de tudo isso, assim espero, chegar até a terceira idade sem nenhuma sequela dessa bipolaridade materna. Uma coisa tenho certeza serei uma avó babona e poderei ser mãe com açucar com os meus netinhos.

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  25. Oi Tati,
    Amei o seu texto!! Não há mãe que não se veja nele...
    É, e eles crescem depressa... E eu aqui estou com muita saudade dessas birras!!
    Beijão

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