27 setembro 2011

O altar de todos os dias

“Fé é crer no que não vemos.
O prêmio da fé é ver o que cremos”.
Santo Agostinho


No dia que troquei a rotina pelo ritual, ganhei meu destino.

Aconteceu de um dia para o outro. Eu coloquei uma música, acendi uma vela e entendi que ou pegava minha vida no laço ou ela ia passar batida sem que eu conseguisse fazer nada do que desejava. E eu desejava muito. Muitas coisas.

A vida é mais ou menos assim. Ela passa depressa, como um trem sem freio. E se a gente não se atenta, perde a viagem. Eu sempre tive dificuldade de encaixar minha alma no presente. Vivo viajando numa outra dimensão, flutuando na imensidão etérea da minha existência. Só que com isso, não consigo realizar quase projeto nenhum. Claro né. E pipa tem lá algum objetivo que não seja apenas... voar? Foi quando eu entendi que eu precisava mesmo plantar os pés no chão. Virar um Jequitibá falante. Enraizar minhas idéias, florescer meus projetos, tornar meus sonhos frutos maduros e suculentos.

Descobrir o ritual foi quase como descobrir a pólvora. Porque nele está contido todo o extraordinário poder da intenção. Essa coisa simples e bonita que Deus nos deu e que a gente tem como um potencial radioativo bem no centro do peito. Mas uma coisa precisa da outra. Não adianta ter uma intenção clara e objetiva, se a gente não tem um lugar que nos faça olhar para ela diariamente. É preciso um plano de ação. Uma estratégia metódica para sacramentar a intenção.

Foi quando nasceu meu altar de todos os dias. Altar é um lugar qualquer que você elege dentro da sua casa que vai cercar o seu espaço sagrado. É lá que você vai reunir tudo o que considera importante para lembrar seus objetivos e consagrar diariamente os passos percorridos na sua caminhada. Qualquer objeto pode ser sacralizado. Se ele tem um propósito ou se você o considera um objeto de poder, o importante é que ele esteja lá. Independente da sua religião, todo o indivíduo pode ter um altar que represente a sua própria verdade. Ele deve ser pessoal e intransferível. E sobretudo um território livre para que as bênçãos caiam sobre ele com abundância e prosperidade.

Meu altar tem de tudo um pouco. Começando pelos quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Esse quarteto fantástico reúne toda a sabedoria milenar que rege nosso planeta. Terra representa nosso corpo, nossa Mãe Terra. Nossa conexão com as matas, as árvores, as pedras. Água representa nosso sangue. Nossos oceanos, nossos rios. As águas internas que regem nossos sentimentos. Sangue, suor e lágrimas! Ar representa nosso sopro divino. Aquilo que nos dá a vida. E por fim, fogo representa nosso espírito. Nossa paixão. Nossa força criativa.

É mexendo neles que começo o processo. Em cima de uma toalha de linho branco, ajeito com todo o cuidado meu quadrado mágico metafísico: acendo a vela do dia, meu incenso cheiroso, honro a água que está no copo de vidro mais bonito da casa. Honro a flor que está dentro do copo, colhida diretamente do meu jardim para trazer beleza e delicadeza ao altar. Toco na pedra de cristal e lembro que foi colhida dentro de uma caverna, há alguns anos atrás. Fecho os olhos e sinto ser a conexão entre o meu Pai Céu e a minha Mãe Terra. Pronto. O portal mágico foi aberto. Depois é só colocar uma música especial tocando bem alto e começar a chamar a força e a presença do pessoal. Cada um vai fazer do seu jeito.

Depois que iniciei minha caminhada no xamanismo, começo sempre pedindo a benção do Grande Espírito. Depois chamo a força dos meus ancestrais sagrados, meus mestres espirituais, a guiança do meu animal de poder... nossa... é uma patota que eu chamo todo dia. E de repente eu sinto todos ali, reunidos sobre a minha cabeça, unidos para fazer da minha jornada um caminho aberto, próspero, abundante e equilibrado. Acho que nunca me senti tão assessorada em toda a minha vida.

Engraçado, fé foi uma coisa que eu aprendi a ter depois de burra velha. E na verdade não acho que seja uma coisa que possa ser ensinada. Posso ensinar minhas filhas a ter confiança. A acreditarem profundamente em algo. Mas fé é um processo individual de busca. Uma força colossal que vem de dentro de nós. De um lugar muito profundo de nós. E isso não tem como ensinar a ninguém. Ele faz parte do processo de individuação de cada um de nós.

Ah, foi tão bom quando eu aprendi a rezar. Eu sempre tive tanta dificuldade para falar com Deus. Não fui batizada em religião nenhuma. Meus pais nem tios nem avós tinham esse hábito. Mas eu sabia que orar tinha cara de ser uma prática poderosa. Tentei muitas vezes rezar o Pai Nosso, mas nunca senti muita verdade naquelas palavras. Depois tentei a Ave Maria. Ela tinha um quê de poder feminino. Mas a parte que eu precisava que ela rogasse por nós pecadores... nessa parte minha boca travava. Pecadora? Mas eu não me sentia uma pecadora. Tudo que fazia na vida estava de acordo com o meu coração. Só preguei o bem e tinha um profundo respeito por todas as coisas. Como é que eu podia ser pecadora?

O dia que eu consegui ultrapassar todos os meus preconceitos, abri meu coração e falei: “Deus, você está aí? Pode me ouvir? Olha, eu preciso falar umas coisas com você...” Nossa, esse foi um dos melhores dias da minha vida. Depois disso, foi só me abrir para o caminho espiritual que tudo o mais foi acontecendo.

Faço a manutenção do meu altar, religiosamente, todos os dias. Troco as flores, a água, a vela, o incenso. Limpo. Renovo cada intenção em cada coisa. As vezes coloco pedacinhos de papel com palavras escritas. Outras, coloco fotos de alguém. O que me der na telha eu coloco. Basta ter uma motivação que venha de dentro. Pode ser uma concha, uma frase, uma pintura. Meu altar é um lugar inventado onde habitam todos os meus sonhos. Estar com ele é como estar com o mais genuíno de mim mesma. Com tudo aquilo que anseio, acredito e desejo. É estar de frente para a estrada da minha vida e repetir, quantas vezes forem necessárias, quem sou, para onde vou e principalmente, o que vim fazer aqui. Ahow!

18 comentários:

  1. Quero ser a primeira a passar por aqui!

    Sou testemunha da dedicação desse altar. E que lindo altar! Nos conhecemos há pouco tempo, mas já fomos capazes de provar nossa amizade. Vi seu crescimento e sua dedicação a ele. Em pouco tempo vc amadureceu a vida e enxergou que ela passa rápido.. e como passa!
    Desejo a vc, minha abelhinha, toda cor que a Primavera guardou durante todo o inverno cinza...

    Bjosss, Karlinha

    ResponderExcluir
  2. Que bom que vc voltou a escrever, Tati. Belo altar de palavras.
    Bjs

    ResponderExcluir
  3. Também sou contra a idéia do pecado, Tati. Tento passar para os meus filhos o fazer bem pelo bem simplesmente - não porque Deus irá julgá-los. Que tempo que se gasta com culpa, né? bjs!

    ResponderExcluir
  4. SENSACIONAL!
    Lindo, lírico, profundo, revelador, transformador. Bem vinda de volta às nossas vidas trazendo tanta inspiração.
    E já começou a enxurrada de textos que inundam nosso altar do coração.
    Agora me dá licença que eu preciso ir renovar o meu altar lá no meu quarto...
    Beijos da Irerê

    ResponderExcluir
  5. Lindo, Tati. Voce me lembrou que ja faz uns cinco ou seis anos que nao tenho um altar. Vou comecar um novinho amanha mesmo! Obrigada por esse presente. Sua sinceridade e intensidade me inspiram! Beijos saudosos de terras distantes. Ritinha

    ResponderExcluir
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  7. Oi Tati, lindo o seu texto. Acordei hj e foi a primeira coisa que li! Comecei bem o meu dia... Bj grande, Fernanda

    ResponderExcluir
  8. OI AMADA! Tenho muito orgulho do seu crescimento, no tom das suas palavras vejo como você está diferente e cada vez mais me identifico com você, minha irmã de alma. Lembro do dia que você me disse que uma amiga sua tinha te falado que vc sempre tinha algum perrem, ou seja, problema, questão. Infelizmente, ou melhor, felizmente você faz parte do meu grupo, das pessoas que não estão aqui a passeio, mas que querem crescer e aprender a simplesmente Ser. Sou apaixonada pelos rituais, e vc minha amiga é o ritual em pessoa, acho que vem da sua natureza taurina, eu adoro isso. Sou sua eterna e incondicional fã.
    Ps. tem um dedinho de Gurumay ai, não tem?
    Beijos Micka

    ResponderExcluir
  9. Falei outra vez sobre a potência que tem quando fala na sujeira.
    E reconheço agora essa potência no sagrado.
    Me parece que sua capacidade é limpar um pouco o imundo e sujar um pouco do brilho.
    É trazer pro seu lado, pro nosso.
    E aqui do lado não dá pra ser excessivo...precisa fazer parte.

    ResponderExcluir
  10. Que bom que você esta de volta!Como podemos ficar sem suas palavras...Minha amada minha luz...Que bom.

    ResponderExcluir
  11. Ai, TaTiii!! Amei... você escreve oxigenando a gente!
    Eu sinto assim também com meu altar. É muuuuuto bom estar com ele... ele fonte de conforto, esperança, força, paz, amor, saúde, poder! Melhor maneira de conexão com nosso sagrado.
    beijos, querida! muita paz, saúde e Luz!!!
    Celia June

    ResponderExcluir
  12. Apenas os poetas e líricos, portanto sensíveis(coisa rara nos dias de hoje),podem entender a profundidade de almas que trazem à terra a construção das boas palavras. O lirismo acalma os corações que vivem em ebulição constante.A linguagem se solidifica com os pensamentos e são ambos dialéticos.Belíssimo texto!!!vindo certamente, de uma alma mediúnica e xamânica.Escrever é um ato de coragem e de um ato político.Escrever é um ato de fé e dos homens de boa vontade.Pertence também, a turma dos que percebem que a vida deve ter um significado mais doce e mais denso.Escrever, abençoa os dedinhos transcedem o dito comum.Boa fortuna e boa ventura.Abraços de incentivo e de paz.Patricia Sá Carvalho.

    ResponderExcluir
  13. Querida, a Célia disse que vc escreve "oxigenando" a gente... Perfeito!
    A Patricia disse que a sua alma é mediúnica e xamânica... Não foi a única!
    Potência, lirismo, profundidade, densidade, doçura, inspiração... Tantas vozes que se manifestam através de vc.
    Que continuem a nos encantar e fazer refletir sobre as nossas humanidades...
    Beijo grande,
    Beth Amaral

    PS: adorável a imagem de um jequitibá falante!

    ResponderExcluir
  14. Amei isso Ti. Vc me inspirou a criar meu proprio altar. Love you querida.
    Ale

    ResponderExcluir
  15. Aiiii Lindo!
    Acho que vou preparar meu altar! Era esse texto que eu precisava ler.... Vc é uma poeta!! Parabéns! Palavras Coloridas...
    bjs,
    Camila

    ResponderExcluir
  16. Tati, esse negócio de ritual, vela, altar dá uma força...que delícia esse seu novo momento. Muita luz pra você! Beijos!

    ResponderExcluir
  17. Tati, pelos comentários dos seus amigos, dá para sacar como Deus manda os recados para nós. E você, amada, está a serviço Dele, quando escreve dessa forma, direto do coração. Cada altar que se montar terá a energia de tuas palavras, e um altar se juntará ao outro. Entende o que isso significa? Significa que somos Um e juntar os nossos altares é o que Deus quer de nós. Apenas uma observação sobre "rogai por nós, pecadores". Eu substituí por "rogai por nós, filhos e filhas de Deus" porque é assim que me sinto - uma filha preferida de Deus... assim como todos nós. Com amor Djaala

    ResponderExcluir