31 outubro 2011

Da nossa natureza

De vez em quando me bate uma dúvida.

Não chega a ser um boicote, nem uma crise séria de autocrítica.

Uma dúvida se de fato o que escrevo um dia servirá à humanidade.

Meu ego gostaria muitíssimo que eu fosse diferente. Que eu estivesse debruçada sobre temas de suma importância para o desenvolvimento humano. Ele queria que eu falasse sobre coisas sérias, muito sérias. E que eu escrevesse um livro sobre qualquer tema – sério - com no mínimo uma edição de dez volumes. Puxa. Isso com certeza o faria parar de me apoquentar.

Mas eu escrevo sobre pombos. Sobre armários em desordem, puns que já senti no metrô. Não há ego que aprove um absurdo desses. Mas sendo sincera, essa é a minha natureza. É da minha natureza observar as coisas pequenas. Aquilo que ninguém viu. Aquilo que ninguém percebeu. É da minha natureza querer encontrar o incomum dentro de todas as coisas. Curtir o que é insignificante. Enaltecer aquilo que ninguém deu bola.

É da minha natureza gostar de mendigos, parar no meio da rua chocada com a beleza do arco-íris, ou ficar felicíssima quando cai uma tempestade no meio da tarde e eu constatar que estou sem guarda-chuva. É da minha natureza soltar um gemido em frente à padaria só porque saiu uma fornada de pães quentinhos, parar para ver passar um fila de formigas ou ficar observando por muito tempo, uma velhinha fumar seu cigarro sozinha, sentada num banco de praça.

Demorei um tempão para entender essa história de ser da natureza de alguém ter uma característica imutável. Na verdade isso só entrou na minha alma quando conheci a fábula africana sobre o sapo e o escorpião. Ela diz mais ou menos assim:

“Certa vez, após uma enchente, um escorpião, querendo passar ao outro lado do rio, aproximou-se de um sapo que estava à beira e fez-lhe um pedido:

- Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?

O sapo respondeu:

- Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu vou ficar paralisado e vou morrer.

O escorpião retrucou, dizendo:

- Isso é ridículo! Eu não pagaria o bem com o mal.

O escorpião tanto insistiu que o sapo, de boa-fé, confiando na lógica do aracnídeo peçonhento, concordou. Levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio. No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo.

Atingido pelo veneno, já chegando à margem do rio, moribundo, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou:

- Por quê? Por que essa maldade? Por que você fez isso, escorpião?

E o escorpião respondeu:

- Não sei... Não sei mesmo! Talvez porque eu seja um escorpião e essa seja a minha natureza!”

Ai, adoro essa história. Fico com uma peninha do sapo, mas entendo que foi da natureza dele tentar confiar no escorpião. E que foi da natureza do escorpião ter sido o cretino que foi. Compreender isso é uma grande lição.

É da minha natureza querer ver o que está por trás de cada história, a parte invisível das coisas e não levar a vida tão a sério. É da minha natureza ser otimista, colecionar penas e ter mania de reparar no lóbulo de todo mundo. Talvez seja por isso que eu ache a vida tão extraordinária. Porque é da minha natureza ser muito, muito feliz chupando um Chicabon.

24 outubro 2011

Crônica de um caos anunciado

A pilha de roupas emboladas dentro do armário revela: aí vem um tempo de caos. É impressionante como sou previsível. Tudo parece bem na minha vida até que começo a perceber pequenas bagunças se acumulando nos cantinhos escondidos do meu dia-a-dia. É batata. Sinal de que a coisa por dentro não está nada boa. Lido muito mal com a bagunça. A falta de ordem é a denúncia do avesso. Gosto da ilusão de que a ordem é prima-irmã do controle. Se tudo está arrumadinho, quer dizer que tudo está bem.

Não faço idéia de como as pessoas consigam viver no caos. Na minha casa, por exemplo, não há um único item em desuso. Não guardo nada que não precise nem nada que esteja quebrado. Não tenho depósito e geralmente o alto dos armários está vazio. Não tenho apego a coisas antigas. Não guardo alguma coisa porque “talvez precise dela um dia”. Tralha é a antítese do equilíbrio. O inimigo número um do feng shui. Acho até bonita a coleção de inutilezas de Manoel de Barros, mas se ele fosse meu marido com certeza já teria lhe pedido o divórcio.

É por isso, e somente por isso, que em tempos de desequilíbrio interno, é meu armário quem me denuncia.

A coisa começa devagar. Na pilha de blusinhas. Antes muito bem dobradas e empilhadinhas, começam a ser guardadas de qualquer jeito e tamanho. As meias e calcinhas que antes pareciam gaveta de loja de lingerie, da noite para o dia, viram uma coleção de bolotinhas indefinidas. Os sutiãs se confundem com as meia-calças e uma saia que deveria ter sido colocada para lavar, passa a morar no lugar das bolsas. A gaveta de pijamas, outrora cheirosa, agora tem nela jogada um cinto, uma pulseira e uma escova de cabelo. Cheia de cabelos. Nos cabides, começo a pendurar coisas que são dobrar e as de pendurar, empilho. Amassando vestidos, calças e lenços. Os casacos de frio - lindos que estavam guardados por cores - vão se misturando e perdendo a identidade, mafuados no fundo do armário.

Até que a coisa degringola mesmo. E o caos de fora anuncia no grito a confusão de dentro. Já não encontro mais nada em questão de dias. Quanto mais o tempo passa, mais se percebe o grau da minha desconexão. E o que antes se podia desembolar com facilidade, se transforma por preguiça ou medo, num grande e complexo nó. Todos os cacarecos da casa foram parar dentro do armário. Sem me dar conta, estou entupida de questões até a última gaveta.

É nesse momento que chega a hora da faxina. Sem mais nenhum centímetro cúbico de espaço para guardar nada, é tempo de vomitar todas as meias sujas que deixei acumulando tristeza e confusão. Já perdi a conta de quantas vezes isso já me aconteceu na vida. Deixar se instalar o caos só pelo prazer de me achar de novo dentro dele. Brincadeira de gente grande.

Devo confessar que sinto muito prazer nisso. Nesse processo catártico-espacial. Esvaziar gavetas me recicla. Esvazio tudo. Todos os cantos. Todos os cabides. Deixo o armário pelado para me desnudar. E como num ritual de purificação, passo água de lavanda em tudo e recomeço do zero a pilha das blusinhas. Me desfaço da calça comprida que não me cabe mais. Separo uma caixa de doações para todos os trapinhos, que numa boa, não tem mais nada a ver comigo. Até mesmo aquela calcinha - aquela maldita que me dói o coração só de olhar – aquela que tem nela um amor grudado que eu preciso me desfazer... até essa não escapa da limpeza final.

Meu armário é o espelho mais fiel de mim mesma que eu conheço. E é por isso que se ele diz que é preciso desopilar cabides, é isso que eu faço. A gaveta de lingerie ficou vazia. Sinal de que preciso comprar calcinhas novas? Não, sinal de que meu armário está tentando me dizer que é hora de me abrir para novas histórias de amor.

Então tá. Quem sou eu para desobedecer meu alter-ego de seis portas.

19 outubro 2011

Seres Marginais

Ele vinha solitário caminhando pela estação das barcas. Não parecia alegre nem triste. Nem disposto nem cansado. Vinha. E ninguém percebia sua presença. Estava ali, pelo simples acaso de existir, marchando em direção a lugar algum, provavelmente em busca da única coisa que lhe apaziguaria a alma: um restinho de comida qualquer.

Não sei por que que as pessoas têm tanta dificuldade de conviver com seres marginais. Não os marginais fora-da-lei, mas aqueles que estão à margem da sociedade. São sempre escorraçados. Mal tratados. Desrespeitados. E o pior é que no fundo, só desejam o ser e o estar invisíveis para justamente não incomodar ninguém. Coitados. Sempre incomodam.

Bom, mas nesse dia, a minha alma justiceira se inflamou na estação das barcas justamente por causa de um ser marginal. No caso, um pombo cinza desses que todo mundo não quer nem passar perto. O pobre estava quieto, lanchando seu biscoitinho num canto, quando veio um sujeito do nada e lhe deu um chute, sem dó nem piedade. Quando vi a atrocidade, saltei para cima do cara como quem parte em defesa de um filhote. Com o coração aos pulos, perguntei aos gritos pro malvado: “Vem cá, o senhor tá maluco? Enlouqueceu?” Ele tava com cara de quem tinha bebido. Com os olhos vermelhos, meio esbugalhados. Esquisito que só. Demorou um tempão para entender minha pergunta.

Mas eu não me intimidei. Fiquei ali parada em frente ao homem, corajosa e feroz, esperando qualquer resposta que fosse para o crime. Me sentindo o Robin Hood das aves. A Evita Perón dos despenados. Mas é claro que o cretino não conseguiu me responder nada. Ficou me olhando com cara de basbacão depois saiu resmungando uns palavrões até desaparecer na multidão.

Procurei meu amigo para ver se precisava de socorro mas o infeliz já tinha partido. Eles podem ser pacíficos, mas não são bobos. Sinceramente, o que é que leva uma pessoa a dar um toco num pombo? Provavelmente a mesma coisa que leva uma pessoa a colocar fogo num mendigo. Taí. Coitados dos pombos, são a classe-mendigo das aves. Tudo bem, eu sei que eles transmitem doenças e isso já está arqui-comprovado. Mas por isso a gente extermina a espécie feito barata? Trata os pequenos como a verdadeira escória avícola? E não é justamente o pombo o símbolo da paz?

Será que as pessoas sabem que os pombos tem uma perspectiva de vida na cidade de cinco anos e no meio da natureza de quinze? Será mesmo que elas acham que eles gostam de viver aqui e serem enxotados o tempo todo? Caramba. Aposto que ninguém sabe que os pombos são umas das únicas espécies de aves que formam um par a vida toda. E que quando vieram para o Brasil – eles são de origem européia, imagine – foram trazidos nos navios portugueses para serem servidos de alimento para a tripulação.

É minha gente, antes de ser considerado uma praga urbana, neguinho comia pombo ensopadinho, igual galinha. Acho-te uma graça.

10 outubro 2011

Caravana Urbana

 













Transportes coletivos são uma experiência antropológica fascinante.

Um laboratório perfeito para observação e tentativa de compreensão dos costumes humanos. Tem muita gente que detesta pegar ônibus e metrô. Eu adoro. É o único lugar onde a gente tem a chance de viver determinadas situações. É claro que eu prefiro metrô. Os ônibus no Rio de Janeiro são calorentos, barulhentos e fedorentos. Muitos “entos” para uma coisa só. Já metrô é outra história. Tem ar condicionado, é mais seguro, confortável e ainda por cima tem aquela musiquinha ambiente nas estações. E a pinta de trem europeu. Acho chique. É o meu favorito.

Já vivi de tudo no metrô.
Outro dia peguei o trem na Carioca para ir à terapia. Faço uma jornada para ir até lá - já que moro em Niterói e a terapia é na Tijuca – e por isso tenho que pegar ônibus, barca e metrô. Faz parte do processo. A estação da Carioca geralmente está cheia, a qualquer hora do dia. Só que nesse dia, não sei por que, a coisa tinha colapsado. Gente saindo pelo ladrão. Para sair e para entrar. O que eu acho curioso é a postura das pessoas diante da epopéia para se entrar no vagão. Não, porque elas não estavam entrando. Estavam se encaixando, como sardinha em lata, espremidas umas pelas outras, desesperadas em não perder a viagem. E o pior... agindo normalmente diante daquela situação medieval. Gente, o que é isso?

Eu fui, mas fui porque estava muito atrasada. Só que na hora de entrar, fui imprensada entre vários corpos. Pronto, bastou a porta fechar para me dar uma vontade desesperada de rir. Vejam bem: na minha frente, grudado no meu nariz, estavam os peitos gigantescos de uma negona, trabalhados num decote sensual e abundante. À minha direita, a catinga inebriante de um sovaco cabeludo de um ser com camiseta cavada. À minha esquerda, um executivo seríssimo de paletó e gravata e atrás, bem atrás de mim - grudado na minha bunda - um velhinho desdentado para lá de safado que não parava de me sarrar. Não dá para se levar a sério uma situação dessas.

Tá, eu sei que a ocasião faz o ladrão e que 90% das pessoas ali não tem escolha. Mas o que me choca é como que as pessoas reagem àquela situação. É surreal. De repente, se cria entre elas uma intimidade forçada. Elas estão grudadas umas nas outras, cafungando o pescoço de um, encostando suas partes íntimas no outro, num amasso grupal sufocante, onde não há como fugir. É uma catarse comportamental. Um apogeu sensorial. E todo mundo vivendo isso com cara de pudim. Como é que pode?

Já vivi coisas extraordinárias no metrô.
Uma vez uma moça começou a explicar para a vizinha ao lado, sua amiga, como se fazia um ensopadinho de frango com ervas. Nos mínimos detalhes. Só que eram seis horas da tarde e provavelmente 99% das pessoas ali estavam famintas. Eu reparei. As pessoas começaram a olhar para ela e imaginar cada um daqueles sabores... e a sentir o cheiro da cebola que você frita no azeite, depois coloca o frango... nossa senhora! O povo ficou desesperado com o relato. Teve gente até babando.

Em metrô se ouve de tudo. Não é só receita não. Há discussões filosóficas, políticas, religiosas. Casal discutindo relação. Gente contando segredo achando que não tem ninguém ouvindo. E a diversidade de cheiros? Sentar do lado de alguém cheiroso para mim é quase como ver arco-íris depois da chuva, uma loteria. Adoro. Fico lá curtindo aquele paraíso e por dentro agradecendo o bom gosto do vizinho. Mas nem sempre tenho essa sorte.

Com o olfato apurado que tenho, faço viagens que são um verdadeiro tormento. Sinto de longe os sovacos vencidos, os bafos matinais, a calça jeans do menino que não secou direito, a naftalina no casaco da velhinha. Mas é claro que não há nada, absolutamente nada pior, do que quando alguém solta um pum.

Eu vivi uma catástrofe dessas outro dia.
Estava presa entre quatro corpos quando senti um ventinho nefasto vindo debaixo. No primeiro momento me deu uma onda de enjôo. Depois quis olhar bem para cada um dos suspeitos do crime. Mas não adiantou. Depois do pum, cada um olhou para um lado. Tipo “não estou sentindo nada”. O bom é que do enjôo e da raiva, eu pulei logo pro estágio divertido que é a vontade incontrolável de rir. Quem sabe um dia, eu ainda consigo ter a cara de pau de perguntar bem alto para todo mundo ouvir: “Pessoal, fala sério, quem peidou?”

Mas o melhor que se pode viver dentro de um metrô é uma paquera. Uma paquera inesquecível.

Ele tinha o braço todo tatuado, mas o que me chamou a atenção no desenho era o Buda, colorido e sorridente, perto do cotovelo. Estávamos todos em pé, segurando aquela barra de metal entre as saídas do vagão. Eu, ele e mais umas quatro pessoas. Nossos braços, esticados, formavam uma flor humana perfeita. Eu olhei para ele. Ele me olhou. E como nas frações de segundo mágicas que acontecem as vezes, naquele instante, nos encantamos um pelo outro. Só pelo olhar. Só por todo o universo existente em cada um de nós que trocamos naquele olhar. Essas coisas difíceis de explicar.

Ele não era bonito. Meio baixinho. Provavelmente, tinha acabado de sair do banho, porque os cabelos – bem pretos, encaracolados – ainda estavam molhados. Aquela primeira olhada tinha me gelado por dentro. Isso é curioso numa paquera. Milhões de pessoas trocam olhares por dia em todas as estações de metrô do mundo. Por que as vezes a gente olha para uma única pessoa e sente um troço esquisito por dentro? Tomamos coragem e nos olhamos de novo. Dessa vez por uns segundos à mais. Pronto. Foi o que bastou para eu ficar mole. Meu coração agüenta pouco esse tipo de emoção. Fora que eu fico meio envergonhada com a platéia. A flor de braços já tinha sacado nossos olhares. Óbvio! Tava saindo faísca. Peguei o celular para disfarçar. Ele fez o mesmo. Pensei comigo: que pena que não existe um bluetooth automático para se captar o telefone do vizinho... Ele deve ter lido meu pensamento, porque sorriu na mesma hora. Um sorriso Colgate, cheio de dentes lindos e brancos. Olhamos para o chão. Depois para o céu, para todas aquelas estrelas que tinham surgido ali sobre nós dois. Mais uma estação se passou. De repente, ele me olhou sério como se quisesse me dizer qualquer coisa. O trem parou e ele foi se distanciando de mim. Quando eu vi, já estava do lado de fora do trem. A porta fechou e a gente continuou se olhando. Se despedindo pelos olhos, como se fossemos um casal apaixonado que está se separando pela primeira vez.

Foi quando eu ouvi a voz de um senhor que estava na minha frente dizer: deu bobeira menina, devia ter saltado com ele e trocado telefone. Olhei bem para cara do sujeito sem acreditar no que ouvia. Será que eu tava sonhando? Nunca esqueci aquele dia. E se ele fosse o amor da minha vida?

Surreal? Não. Isso é coisa de quem freqüenta caravana urbana.

03 outubro 2011

Simpatia é Amor


Eu estava na fila do banco. Fila de banco geralmente é um lugar perigoso. Se você der mole, pode levar uma mordida de alguém. As pessoas, que estão sempre com pressa, na fila do banco estão insuportavelmente apressadas. Bufam de minuto em minuto a impotência de não poder fazer nada contra o tempo que corre e a fila que não anda.

Eu, que não sou boba nem nada, sempre levo alguma coisinha para ler. Não sei se para me entreter ou se para me salvar do mau humor do vizinho ao lado. A questão é que nesse dia eu estava lá na fila do banco e mesmo tendo em mãos um artigo interessantíssimo sobre formigas para ler, de tempos em tempos, levantava a cabeça para observar as pessoas. Se tem uma coisa que eu adoro fazer é observar as pessoas. Nos mínimos detalhes. E quando tenho tempo, ainda invento uma história para cada um. Pois bem. Nesse dia enquanto eu levantava a cabeça, a moça que tava na minha frente na fila, se virou e olhou para mim. Trocamos rapidamente um olhar e do nada - do nada mesmo – ela me abriu um sorriso enorme, desses que tem dentro um sol inteiro brilhando.

Aquele sorriso me derreteu. Inundou minha alma de um sentimento tão puro, tão profundo, que eu devolvi a ela o melhor sorriso que podia, o maior que tivesse no meu repertório de sorrisos. E naquela fração de segundos ficamos daquele jeito, trocando uma espécie de amor incondicional, que só existe em gente que tem a capacidade de amar dentro de peito.

De todas as qualidades do ser humano, simpatia ainda é uma das que mais me espanta. Tenho verdadeiro fascínio por gente simpática. Porque é tão genuíno. Tão gratuito. E ao mesmo tempo tão generoso.

Depois que a moça se virou, eu fiquei olhando de rabo de olho para ela. E pensando, o que faz uma pessoa ser assim? Educação? Índole? Temperamento? Será que as pessoas que são sempre simpáticas estão obrigatoriamente de bem com a vida? Não creio. Me lembro de uma vez ter ouvido um dos elogios mais sinceros que já ganhei na vida. Foi de um porteiro, o Luis. Ele disse assim: Dona Tati, faça chuva ou faça sol, está sempre sorrindo. Eu sei que tem dias que a senhora está triste. Mas mesmo triste, tem sempre um pouco de doçura para nos dizer bom dia. Quem agüenta com uma coisa dessas? O dia que ouvi isso do Luis tive vontade de chorar.

Acho que simpatia é uma coisa que a pessoa nasce com. Não é nada que se possa adquirir com o tempo ou moldar na própria personalidade por simples desejo. Simpatia é um dom. Uma dádiva concedida pela natureza que se espalha pelo mundo por absoluta osmose comportamental. O que faz uma pessoa assobiar na rua? Dar passagem para você entrar primeiro? Te abrir a porta do elevador - e mesmo que esteja no fim de um dia muito difícil, ainda assim - lhe dar um boa noite sonoro e verdadeiro? O que faz uma pessoa, mesmo sem te conhecer, te oferecer um sorriso ou uma ajuda para qualquer coisa que seja?

Simpatia que é prima da gentileza que é prima do amor. Tá tudo no mesmo pacote. Queria oferecer essa crônica àquela moça da fila no banco. Que eu nunca mais vou encontrar, nem sequer esbarrar. Mas que me ensinou profundamente o valor que a vida tem, quando a gente oferece ao outro, o sol que brilha dentro da gente.