De vez em quando me bate uma dúvida.
Não chega a ser um boicote, nem uma crise séria de autocrítica.
Uma dúvida se de fato o que escrevo um dia servirá à humanidade.
Meu ego gostaria muitíssimo que eu fosse diferente. Que eu estivesse debruçada sobre temas de suma importância para o desenvolvimento humano. Ele queria que eu falasse sobre coisas sérias, muito sérias. E que eu escrevesse um livro sobre qualquer tema – sério - com no mínimo uma edição de dez volumes. Puxa. Isso com certeza o faria parar de me apoquentar.
Mas eu escrevo sobre pombos. Sobre armários em desordem, puns que já senti no metrô. Não há ego que aprove um absurdo desses. Mas sendo sincera, essa é a minha natureza. É da minha natureza observar as coisas pequenas. Aquilo que ninguém viu. Aquilo que ninguém percebeu. É da minha natureza querer encontrar o incomum dentro de todas as coisas. Curtir o que é insignificante. Enaltecer aquilo que ninguém deu bola.
É da minha natureza gostar de mendigos, parar no meio da rua chocada com a beleza do arco-íris, ou ficar felicíssima quando cai uma tempestade no meio da tarde e eu constatar que estou sem guarda-chuva. É da minha natureza soltar um gemido em frente à padaria só porque saiu uma fornada de pães quentinhos, parar para ver passar um fila de formigas ou ficar observando por muito tempo, uma velhinha fumar seu cigarro sozinha, sentada num banco de praça.
Demorei um tempão para entender essa história de ser da natureza de alguém ter uma característica imutável. Na verdade isso só entrou na minha alma quando conheci a fábula africana sobre o sapo e o escorpião. Ela diz mais ou menos assim:
“Certa vez, após uma enchente, um escorpião, querendo passar ao outro lado do rio, aproximou-se de um sapo que estava à beira e fez-lhe um pedido:
- Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?
O sapo respondeu:
- Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu vou ficar paralisado e vou morrer.
O escorpião retrucou, dizendo:
- Isso é ridículo! Eu não pagaria o bem com o mal.
O escorpião tanto insistiu que o sapo, de boa-fé, confiando na lógica do aracnídeo peçonhento, concordou. Levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio. No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo.
Atingido pelo veneno, já chegando à margem do rio, moribundo, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou:
- Por quê? Por que essa maldade? Por que você fez isso, escorpião?
E o escorpião respondeu:
- Não sei... Não sei mesmo! Talvez porque eu seja um escorpião e essa seja a minha natureza!”
Ai, adoro essa história. Fico com uma peninha do sapo, mas entendo que foi da natureza dele tentar confiar no escorpião. E que foi da natureza do escorpião ter sido o cretino que foi. Compreender isso é uma grande lição.
É da minha natureza querer ver o que está por trás de cada história, a parte invisível das coisas e não levar a vida tão a sério. É da minha natureza ser otimista, colecionar penas e ter mania de reparar no lóbulo de todo mundo. Talvez seja por isso que eu ache a vida tão extraordinária. Porque é da minha natureza ser muito, muito feliz chupando um Chicabon.