23 outubro 2009

Crônica de uma Andorinha Assustada




Atenção tripulação, preparar para a decolagem.

Já perdi a conta de quantas vezes, prestes a decolar num avião, eu me agarrei a um guardanapo e a uma caneta, para escrever e aproveitar ao máximo o pânico medonho que me causa a idéia de voar - sem ter asas. Essencialmente, sempre me senti como uma andorinha - alma dessas que precisa de liberdade para ir e vir pelo céu. Mas quando entro num avião, essa metáfora cai por terra e a iminência da morte me assalta como uma idéia mórbida e sem graça.

Nem sempre foi assim. Viajei durante toda a minha juventude para encontrar meu pai nas férias de verão naquele Bandeirante, aventuresco e pequenino avião, que já na época caia no Brasil feito jaca podre. Meu pai morava em Vitória, no Espírito Santo. E eu, sempre no Rio de Janeiro, aguardava aquele vôo com toda a alegria, afinal, era a chance dourada de estar com ele por longos trinta dias ininterruptos. Mas foi num vôo que fiz de Dallas para Washington, com 24 anos, que essa satisfação em voar se transformou num medo desesperado, quando peguei no ar uma thunderstorm que quase me tirou a vida, literalmente. Na época - me lembro bem - tive que fazer um pouso forçado na Virginia até que a tempestade de raios se dissipasse. E nunca mais fui a mesma.

Só hoje, a caminho de Joinville, numa viagem rápida para rever amigos queridos e dar uma fugidinha da realidade, é que eu consegui entender onde é que esse medo me bate tão fundo. Ao entrar no Boeing 737 da Gol, fazendo questão absoluta de entrar com o pé direito dentro do avião - mesmo sem ser um pinguinho supersticiosa - é que eu entendi que o meu problema tem a ver com o controle ilusório que tenho da vida. Gente, no fundo no fundo, a gente “acha” mesmo que no dia-a-dia tem controle sobre tudo. Sobre a vida, os acontecimentos, sobre o nosso destino. Mas não tem! Definitivamente não tem. Quando se entra num avião, esse é o primeiro soco no estômago que a gente recebe da consciência. Se você não sabe pilotar a geringonça, o que mais pode fazer quando senta e afivela o cinto de segurança? Nada! Só confiar totalmente na competência do piloto. Talvez ter sangue frio em caso de despressurização da cabine, onde máscaras de oxigênio cairão automaticamente de algum lugar e você ainda precisa lembrar de ajudar uma criança ou velhinho, se algum dos dois estiver sentado ao seu lado. E só.

Não sou uma pessoa religiosa. Talvez espiritualizada. Mas na hora em que a coisa vai voar, me entrego a Deus de uma forma tão plena que juro, isso é uma coisa que realmente me faz pensar. Meu Deus! Que ilusão é essa que me faz crer que atravessar a rua pode ser mais seguro que andar neste avião? Não se controla a morte, como não se controla a vida, como não se controla absolutamente nada. A gente pode até tentar ter a ilusão egocêntrica de ter as rédeas da vida em nossas mãos, mas não tem. Basta a primeira turbulência para nos lembrar disso.

Conexão em Congonhas.

Vai tomar banho! Duvido que até meu pai, que é o viajante de avião mais corajoso do mundo, não tenha medo - um suspirinho que seja - desta pistinha microscópica que se pousa em São Paulo. Quem não se lembra de um dos acidentes mais bizarros da aviação brasileira, onde a tal pista foi pequena demais para o carma coletivo de mais de 175 pessoas?

Enfim, para tudo na vida deve haver uma compensação. Para mim, duas coisas me aliviam o sofrimento de voar: o lanchinho a bordo, e as nuvens. Claro que já foi-se o tempo em que o serviço de bordo era top e a gente comia feito Rei e Rainha. Na época em que só existia Varig, Vasp e Cruzeiro a comida era de primeira. Você escolhia se queria massa, frango ou carne. E o talher era de verdade. Eles esquentavam a comidinha à bordo e você degustava aquilo com um bom vinho, com direito a sobremesa depois. Nada desses bolinhos ou amendoinzinhos com guaraná de hoje em dia. Me lembro também que das viagens internacionais meu pai trazia o kit completo de higiene que eu gostava mais do que qualquer presente: uma necessaire com pentinho, escovinha de dente e pasta mini, tudo com nome da empresa aérea. Sim! E o lencinho perfumado, numa época que não existia lenço umedecido para limpar bumbum de neném! Épocas douradas da aviação!

Desde aquele tempo a Voz do Galeão já existia com seu timbre inconfundível. Quem não lembra daquela moça falando - Fly Seven Four Seven to Mi-a-mi. Boarding now – Gate Six… Gente, essa voz continua a mesma depois de 20 anos! Será que ela gravou todas as possibilidades de vôo e morreu, ou continua trabalhando lá como funcionária padrão do Aeroporto Antonio Carlos Jobim com oitenta anos?

O tempo não passa para gente no coração. Não há uma só vez que eu vá ao Galeão e não embarque sem antes lembrar da minha mãe – fofa – cantando o jingle da Vasp para alegrar a gente, antes das férias. Quem lembra disso?
(essa é para você minha irmã!)

http://www.youtube.com/watch?v=__1UJ5CBp10

Mas, de tudo, de todo o sentimento, do medo, da angústia - o que fica para mim é sempre essa alegria simples que me dá ter a chance de estar tão perto das nuvens. Nada pode ser mais lúdico do que a ilusão de poder tocá-las. Já dizia meu querido Quintana que “a única coisa eterna são as nuvens”. Eu mergulho nelas e penso: mesmo que eu tenha que envelhecer alguns anos a cada vôo percorrido, mesmo que eu sempre me sinta uma andorinha assustada, eu insisto em voar, mergulhar, vencer qualquer medo... porque isso me renova o espírito, me traz de volta o que eu sou e à minha profunda crença na vida... de que a vida é sonho, só pode ser. Se não fosse, Deus não faria tantas bolinhas de algodão e as espalharia pelo céu.

3 comentários:

  1. Pequena, também compartilho o seu medo e sua angústia ao pegar um avião, só que numa escala um "pouco" menor. Simplesmente pq adoro a sensação de voar (embora tenha medo de altura)... Viajo naquele céu azul, na luz do luar e na imensa possibilidade de vida que está além da nossa compreensão, dos nossos olhos, do nosso entendimento. Bom... apesar das minhas contradições, o simples fato de voar, com certeza habita a minha alma.
    Beijos carinhosos...

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  2. Adorei o texto Tati... e o vídeo no Youtube é SENSACIONAL! Parabéns!

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  3. Lembra daquele voo para curitiba?? Um pouquinho de wiskie e... viramos amigas de infancia...Foi um dos voos mais agradáveis né Tati? bjs muitos, adorei o texto!! beijos Re

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