27 outubro 2009

Complexo de Lavadeira

Desde que me entendo por gente, tenho uma enorme dificuldade de compreender a superficialidade das pessoas.

Na infância, minha mãe sempre conta a mesma história: eu pedia para ela colocar na vitrola a flauta do Zamfir ou músicas italianas. Depois de alguns minutos, aos prantos, eu pedia que peloamordedeus ela tirasse aquilo, que eu não agüentava.

Depois veio a adolescência, aquela fase da vida que por si só já é um emaranhado de contradições e a inadequação é quase condição sine qua non na existência do ser humano. Mas o que mais me fazia sofrer era a dificuldade de entender o que as pessoas falavam, já que elas falavam falavam e não diziam nada - pelo menos ninguém da minha idade.

Então eu me refugiei no cinema na tentativa de traduzir melhor a vida. Foi com 13 anos que, vestida de boina, óculos e salto alto, eu furei a censura de 18 e assisti extasiada Metropolis do Fritz Lang. Depois vieram muitos outros que me levaram a um lugar profundo dentro de mim. E mesmo sem ter idéia do que tudo aquilo significava, hoje eu percebo que aqueles lugares que eu acessei – tão nova e virgem de alma – fizeram de mim o que eu sou hoje. No dia em que saí de Koyaanisqatsi – documentário que mesclava imagens da natureza à cenas de destruição da Terra, ao som de Philip Glass – muda e em choque, tive a impressão de que alguma coisa tinha explodido dentro de mim.

Mas foi muito tempo depois, quando assisti Janelas da Alma, que entendi o que tinha acontecido comigo na época. No depoimento do Win Wenders ele diz que aprendeu com a esposa a não permitir que determinadas imagens entrassem dentro dele. Eu também sou assim. É por isso que não assisto filmes de terror e de violência, porque eu sei que essas imagens podem colar no meu cérebro como um superbonder radioativo e que ficarão comigo para sempre, eu gostando ou não.

Foi pensando nessa minha trajetória de mergulhadora que outro dia um conceito – soprado despretensiosamente no meu ouvido por uma amiga muito querida – me fez entender toda a minha dificuldade com quem insiste em ficar boiando na nata da vida. Ela dizia que não tinha muito jeito, que a grande maioria das pessoas só vivia mesmo para ensaboar. Mas o que é que acontece? Por que que esse Complexo de Lavadeira se instalou entre as pessoas, como se fosse o único programa mental compatível com a nossa mente contemporânea? Tudo fica no raso, meu Deus. Na mediocridade da superfície. Até nas artes isso tem se refletido. Na música, na literatura. E o teatro? O vazio no teatro é desesperador. Desde que me propus a entrar de cabeça de volta neste universo, tenho assitido a tudo - sem preconceito. Mas tem sido um programinha barra pesada. Dos espetáculos, pouquíssimos são peças de teatro. A grande maioria é uma comédia para lá de comercial, que aborda os assuntos sem a menor preocupação em se aprofundar ou pior, sem a menor intenção de dar ao público - uma migalhinha que seja – de possibilidade de reflexão. Assim foi a última que vi. No teatro – lotado – todo mundo gargalhava e eu tinha vontade de chorar. Me sentia um peixe fora d’água, naquele marzão de gente feliz. Mas do que é que aquela gente ria tanto? Da desgraça alheia? Da própria cegueira? Do nada? Tá, tinha até uma ou outra coisa com que eu me identificava, mas não era engraçado. Era patético.

Olha, eu não tenho nada contra o humor. Acho maravilhosa essa possibilidade que a gente tem de rir das próprias desgraças. Só levanto essa questão porque isso me pinica as entranhas. O mundo tá ficando insuportável nessa versão twitter de ser. Tudo bem rasinho e rapidinho. Como se olhar para a vida de uma forma mais adulta - mais consciente - fosse deixar tudo insuportavelmente chato e pesado.
Eu mesma tenho amigos que dizem: Ah Tati, vê lá hein? Vê se coloca humor nessa sua peça que ninguém tá a fim de pensar demais num sábado a noite. Você tem cara de quem vai escrever uma peça-cabeça. Vai ficar sem público!

Prefiro ter dez pessoas na minha platéia dispostas a pensar do que cem babando de rir. Já falei disso mas vou repetir: o dia que o David Linch me ensinou essa frase, nunca mais fui a mesma. “Se você quer pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas.”

Eu quero da vida o abismo, mesmo que isso me custe a vida.

3 comentários:

  1. Tati,
    11 pessoas comigo na sua platéia! Mergulhe fundo menina contra a indiferença, contra a intolerância, contra os rasos d'alma, contra a sisudez, contra o humor idiota em que as pessoas riem por causa de um palavrão. Você quer um palavrão? Então vou escrever: omundoprecisadepessoasassimcomovocêquenoscomovebeijosnofundodasuaalma,
    Edu

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  2. Uau! Eia! Sus! Demorou! Vamos fundo! Viva David Linch! Pode calcar! Aprofundando...
    Beijohn,
    JohnJohn.

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  3. sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão

    Cantar Vinícius, minha pipoca, vamos pro Vinícius!

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