07 fevereiro 2011

A Liquidez da Compreensão



Um dia fui numa mãe de santo que me disse assim:

“Fia, suncê tem que escrever com humor.”

Torci o nariz. Humor? Mas essa preta velha incorporada nessa moça bonita acha o quê hein? Que é todo dia que a gente tá para alegria? Só consigo escrever com humor ou quando eu tô muito inspirada ou quando meu estado de espírito acabou de chegar de férias do Caribe. Não é todo dia que a gente tá solar e vê o mundo colorido. Caramba, tem dias que saio da cama com uma lente cinza chumbo nos olhos que não há Cristo que me tire aquele ânimo gris da alma. Melancolia pura.

Parecendo ler meus pensamentos, a preta puxou um tanto do cachimbo, soltou aquela fumaça cheirosa em cima de mim e falou:

“Num é esse humor que ocê tá pensando. Tô falano daquele humor, aqueles líquido que a gente tem no corpo e governa o coração. É com eles que suncê tem que escrevê.”

Hã?

Demorei um tempão para processar aquela informação. Só quando cheguei em casa e fui procurar no dicionário a palavra humor, é que vi numa tacada só, todas as fichas da minha vida, caindo em cima de mim, como naquelas máquinas de cassino, quando te premiam 1000 mil dólares em moedas de um.

Humor são todos os líquidos secretados pelo corpo e que determinam sua condição física, mental e emocional. Genial! Devia ter enchido aquela preta velha de beijo. Como é que eu não tinha entendido isso antes? Usar o humor como guia para o que escrevo, é nunca mais desperdiçar uma alegria ou tristeza sequer. É não me envergonhar da raiva, é grifar o amor, é permitir o negrito de tudo que vejo com as minhas lentes cinza chumbo. É entender que meu barco pode confiar na bússola que pulsa no meu sangue, porque é justamente lá nas minhas veias, que está o melhor e mais confiável oceano para navegar.

Descobri com meu compadre Houaiss, que existem os humores oficiais: o sangue – aquele que faz a gente ferver de raiva ou de paixão, a fleuma que é causadora da apatia, a atrabílis ou bile negra que é responsável pelo último grau da raiva... a cólera, e a bile amarela, aquela que faz a gente ficar com o pior e mais nefasto mau humor!

Mas com a licença poética que me concedeu minha preta velha, depois daquele dia, comecei a pensar em todos os nossos líquidos - mesmo os que não estão catalogados no Houaiss - como outra forma sublime de entender a magnificência da natureza ao criar, por exemplo, a lágrima.

Pode existir coisa mais poética do que uma lágrima? Aquele líquido límpido e salgado que verte de dentro da gente por dor ou emoção exagerada? Viviane Mosé já dizia que: um olhar de lágrimas cristalizadas é como um vidro de carro batido.

Suor acho meio nojento. Também é salgado e geralmente tem companhia de odores fortes de origens quase sempre duvidosas. A não ser o suor que vem do amor. Esse suor é santo. Dois corpos encharcados de suor podem ser considerados sagrados. Talvez porque se misturem aos líquidos do sexo: os fluidos vaginais e o sêmen. Nesses humores estão contidos todos os segredos da humanidade. Nossa origem, nossa semente, nossa evolução. Isso sem mencionar a saliva, o único humor que tem o poder de consagrar no beijo, a história de uma grande amor.

Entender os humores do meu corpo me fazem entender muito mais coisas do mundo. E principalmente desse pequeno planeta que habitamos. Se os humores da Terra forem como os humores humanos, dá para entender perfeitamente porque o planeta hoje chora mais... do que jamais choveu. Não dá?

Que a liquidez da compreensão possa a partir de hoje, expandir minha consciência. É por isso que vim, é por isso que escrevo, é por isso que vivo. Amém.

17 comentários:

  1. A liquidez da compreensão é o que busca o escritor ao querer responder certas perguntas. É por esse motivo que vim, é por isso que escrevo, é por isso que vivo. Amém.
    Grande beijo, Tati!

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  3. É, Tatinha... Searas de imagens invadiram minha cabeça agora... Fico com os corpos encharcados de suor. Vou ter que procurar o houaiss também, não conhecia esse lado do humor.

    Alors... beijo grande

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  4. Tati, amei ler esse texto depois de um dia cheio de humores revirados e incompreendidos... Eu também não conhecia essa definição de humor.
    Amei! Parabéns!
    Beijão.
    Carla

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  5. 'É por isso que vim, é por isso que escrevo, é por isso que vivo.'

    E por isso que vou!

    Vai! Vai meu amor! Imagine o que voce vai encontrar neste lugar que o universo criou só pra voce! Nao pode ter medo; nao vale ensaiar...

    A consciencia é o instrumento; atraves da açao nós podemos mudar o mundo...

    Te amo!

    mixirica :)

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  6. Tati, fiquei impressionada com tudo o que minha alma sentiu lendo o teu texto. Tomei a liberdade de imprimí-lo e colá-lo no meu exemplar de "Onde Habita Minha Alma". Com um grande desejo de continuar na busca da expansão de minha consciência, deixo contigo um beijo carinhoso, cheio de gratidão,
    Lívia

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  7. "a cada mil lágrimas sai um milagre"

    (milágrimas, alice ruiz)

    lindo texto! bjos bjos!!!

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  9. http://www.youtube.com/watch?v=qwWKtRCQJ-8

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  10. Este seu texto me fez lembrar uma coisa de Adélia Prado. Fui procurar e confirmei: às vezes você "encarna" um espírito assim meio Adélia. Olha só o que ela escreveu:

    "Minha alma é um bolso onde guardo minhas memórias vivas.
    Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo.
    Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança ...
    O que a memória amou fica eterno."

    É ou não é meio Tatiana Telink?

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  11. Querida Tati,
    Obrigada por este presente. Parabéns e continue seguindo teu fluxo que jorra esperança e verdade com muito talento.
    um beijo, celia

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  12. Amei! As pretas velhas são mesmo mt sábias!
    Bjão
    Liu

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  13. Ah, nega!
    Que maravilha esse líquido todo aqui.
    A Preta acertou! Ce tem mesmo que andar por aí...

    te amo-mo!

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  14. Nunca pude imaginar que o humor pudesse ser descrito dessa forma. Sou sua fã, me delicio com seus textos! Beijos!

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  16. Ótimo texto, eu não poderia descrever melhor...eu, que também sou cheia de humores. E que nem todo dia acordo de bem com a vida.

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