20 agosto 2009

A luz da vela e o holofote



Eu ontem passei a noite em claro, olhando a chama divina da vela, para ver se via alguma luz na escuridão da minha existência. Não há um só dia na minha vida em que eu não me pergunte: meudeusdocéu, o que é que eu vim fazer aqui?
Nasci com uma extraordinária sensibilidade para as coisas do mundo. Minha infância foi um universo perfeito como devem ser os primeiros anos. Transitei por entre as dimensões paralelas onde todas as coisas mágicas estão, experimentei o mundo in natura, sem nunca me preocupar com o porquê das coisas ou das razões de Deus.
Mas eu desejei crescer e atravessar a fronteira desse mundo interno, porque tinha certeza de que como mulher - tendo posse da minha liberdade - eu poderia finalmente traduzir tudo aquilo que na infância tinha explodido dentro de mim.

A verdade é que quando entrei na idade adulta, percebi que não só tinha perdido parte das minhas asas como também não me adequava a lugar algum. Talvez tenha sido por isso minha busca pelo teatro aos 13 anos. Porque de alguma forma pressentia que na arte eu ainda poderia transitar entre a realidade e a fantasia.
Durante muitos anos eu me debati entre a necessidade de amadurecer – ganhar dinheiro, conquistar o mundo - e ainda conseguir salvar aquilo que eu acreditava ser o melhor de mim: o meu rico e povoado mundo imaginário. Mas o mundo real não é assim. E sem conseguir me firmar no teatro, como profissional independente auto suficiente, abri mão do sonho de viver da arte e talvez nela encontrar meu propósito de vida.

Um dia, sem planejar muito, veio a maternidade. A doce, sábia e trabalhosa maternidade. E sem me dar conta, percebi que uma janela de novo se abria dentro de mim. Foi cuidando das minhas meninas que eu voltei a ouvir a minha voz... aquela voz miúda que dizia: sonhe, volte a sonhar. Por falta de tempo e espaço, a única arte que me cabia entre fraldas e mamadeiras, era escrever. Então comecei a escrever e a escrever... e perceber que se eu desse atenção àquela voz que vinha lá de dentro, com tanta vontade e determinação, tudo aquilo que estava contido há tantos anos, poderia finalmente escoar de dentro de mim. Pronto. Já estava eu sonhando de novo em encontrar meu propósito. Eu tenho essa crença arraigada em mim. Que a gente vem por um propósito. Para trilhar um caminho específico. Se não fosse isso não existiria a tríplice divisora dos indivíduos: dom, talento e vocação. É uma linha muito tênue que divide o significado dessas três palavras, mas existe: dom, vem do latim e significa presente, dádiva, capacidade especial dada pelos deuses. Quem nasce com uma voz abençoada, não pode ter dúvida de seu dom. Talento também é uma aptidão, mas é diferente na origem e pode ser desenvolvido pelo treino e pela prática. Existem milhões de pessoas com talento, mas nem todas tem a obstinação e a disciplina para superarem as dificuldades que encontram pelo caminho. Já vocação é uma palavra de origem latina e significa "o ato de chamar". Quem segue a vocação obedece a um chamado. Quem nasce desejando profundamente cuidar de outras pessoas, está ouvindo um chamado interno. Logo, sua vocação o levará aos caminhos da medicina ou da psicanálise. Se ele vai ter talento para isso, são outros quinhentos.

Mas e quem tem só um amor explosivo no coração e uma paixão pelo mundo, faz o que?

Eu tenho uma amiga querida que diz que “quando fazemos algo que nos dá prazer com relativa facilidade, depois de muito treino, estaremos atendendo a nossa vocação. E que naturalmente as coisas começam a dar certo. Os caminhos se abrem. Tudo flui porque é o seu destino se consolidando.” Hum, minha conta bancária não tem percebido muito essa fluência.

Tantos anos já se passaram desde que comecei a escrever. Nenhuma realização concreta me fez crer ser esse o meu propósito de vida. Tudo bem que não tive a obstinação de um herói, a persistência de um guerreiro, a disciplina de um samurai. Disciplina. É isso que me falta. Ao invés de passar minhas noites em claro tentando achar as razões da minha existência na chama da vela, talvez o que precise simplesmente é focalizar um enorme holofote na necessidade de constância na minha escrita. Só isso.

Só o que sei é o que sinto. E só eu sei a sensação profunda de alívio que me dá escrever um texto, como esse que acabo de escrever. Ninguém sabe o quanto dói uma idéia presa dentro do peito. Já dizia a grande poeta Viviane Mosé: pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa. palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.

6 comentários:

  1. Acabo de voltar do Rodrigo e ele me disse que ia acender uma vela pra você. Esse é um dom imenso que você tem além da escrita, conexão.
    Te amo.

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  2. Suas palavras possuem a imensa luz de um farol que serve de guia para os aflitos. Uma vela ou um holofote são poucos para você.
    Você ilumina longe. Você ilumina a noite das palavras.
    Bjs do seu leitor,
    Carlos Eduardo

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  3. Eu simplesmente acho que você está pronta. O dom vc tem. O talento nasceu contigo. E a vocação você acabou de descobrir.
    Continue "escrevivendo"!!! Sem parar!!!

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  4. Que coisa maravilhosa!!! Li com lágrimas nos olhos. Sabe aquele texto que quando vc lê vc pensa fulano tbem tem que ler. Com seus textos é assim. Minha querida, com terteza vc é completa penso que muitas vezes só te falta acreditar em sua plenitude, pois com certeza "Acreditando em Você" tudo passa acontecer. E só falta você, pois com certeza todos que te leem já acreditam.
    Muitos beijos, Micka

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  5. Querida artista,
    Conforme escrevi em "Experiencia de amor", continuo estarrecida com seu dom, talento e vocação...vc é simplesmente the best!!!
    Que Deus permita que seus sonhos nunca terminem, pois através de seus devaneios, talvez consigamos sonhar também e permitir que o amor e a paixão que trazemos em nosso interior, transborde de nossos corações e assim possamos ver o mundo de um outro prisma, de uma maneira mais simples e mais harmoniosa...
    Bjs da sua mais nova fã.
    Neyde (esposa do Divan)

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  6. Tatiana, acho que sei porque você se sente indisciplinada para escrever. Você, que é mãe na vida real precisa ser também como ficcionista. Ouse isto!

    Com a rara mente criativa que tem,conhecedora de almas e sentimentos e dona de um texto poderoso e hábil, você certamente criará personagens que desejarão, por si mesmos, viver aventuras, amar, odiar, sonhar, seduzir.

    Sábia e conhecedora de corações e mentes como você é, se deixará levar pelas vontades e desejos desta gente.

    Sua disciplina virá com a provocação interna que estas criaturas lhe farão. Elas terão pressa de viver! Serão donas de seu próprio nariz.

    Não se surpreenda com as confissões que elas lhe farão. Você será sua confidente, cúmplice, ventríloqua.

    Por você elas encontrarão a liberdade com que sonham. Você se emocionará com suas paixões e seus encantos.

    Dá uma chance pra elas, vá!

    Ricardo Eduarte
    30/8/2009

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