Assisti essa semana “A Partida”, o filme japonês que ganhou o Oscar de filme estrangeiro. Assisti porque minha irmã olhou fundo nos meus olhos e disse: “Você tem que assistir esse filme.” Tá bem, eu nunca questiono esse tipo de ultimato. E apesar de não gostar muito de filme japonês, em questões cinematográficas eu procuro sempre combater a ferro e fogo qualquer conceito pré-concebido, porque sei que muitas vezes é na história mais estranha ou esdrúxula, que pode vir o maior ensinamento que a arte pode me dar em determinado momento. Então já que era pra eu ir, fui e mergulhei fundo na história. E voltei calada, com o rosto molhado de tanto chorar, remexida nas vísceras e com um monte de questões para pensar.
Mas o que transbordou e me tirou o sono desde então, foi justamente a questão que está sempre me espreitando atrás da porta: o preconceito. Caramba, se tem uma coisa que me deixa de cabelo em pé, com a veia do pescoço saltada, espumando e com o olho vermelho de raiva... é o tal do preconceito. E mesmo tentando sempre ser uma pessoa justa e tolerante, eu ainda me pego muitas vezes com a boca na botija, julgando uma coisa sem conhecer a fundo, opinando sobre algo que nem sempre tenho o direito de.
Eu sempre tive o maior preconceito com médico-legista. Achava que uma pessoa que escolhia como profissão viver debruçado sobre cadáveres, tinha que ter algum tipo de desvio de comportamento. Porque eu própria tinha um total e absoluto estranhamento de corpos de pessoas mortas. Vamos combinar que quase todo mundo tem. É um mistério profundo para gente. Me lembro quantas vezes me peguei pensando nos milhares de corpos se soltando dos escombros do avião da Air France no fundo do mar. Imaginava aquela cena e não dormia mais. Me lembro de olhar para o corpo da minha tia-avó no caixão e dizer: “Mas onde foi parar aquela alegria?” Só sei que depois de assistir ao filme, muitas coisas dentro de mim se dissolveram e tomaram outra proporção.
A história do músico desempregado que só arranja emprego como nokanshi, apesar do preconceito de todos e dele mesmo, é uma lição profunda sobre a morte... e a vida. Na cultura japonesa, a profissão de 'nokanshis' é uma combinação entre agente funerário e religioso, mas não é exatamente nenhuma das duas ocupações, é algo único. Um nobre trabalho de lavar, vestir e preparar os corpos para os parentes enlutados e ajudá-los numa melhor travessia. Tanto para quem morreu, como para quem ficou.
Tem uma cena ótima em que o chefe dele se atraca com uma coxinha de galinha, logo depois de ter cuidado de um corpinho que estava há mais de duas semanas morto. Ele, totalmente enojado, constata então a morte do pobre animal. “Sim – diz o senhor – estes estão melancolicamente mortos”. Naquele momento me bateu como um soco no estômago meu difícil processo de estar sempre tentando vegetariar. Já perdi a conta de quantas vezes tive que me explicar, em brigas homéricas, por não querer comer coisas que tenham olhos. Já perdi a conta de quantas vezes me aborreci por enfrentar o preconceito das pessoas, que acham que eu me acho superior porque não como carne. Meu Deus, eu vivo uma luta diária. Sou praticamente uma vegetariana anônima, porque enfrento todos os dias, todos os tipos de dificuldades. O mundo não é vegetariano e por isso existem poucas alternativas para quem não come carne e o que tem é sempre mais caro.
Mas enfim, Anna Sewell, escritora inglesa, disse uma frase assim:
“Se nós vemos coisas erradas ou crueldades, as quais temos o poder de evitar e nada fazemos, nós somos coniventes.”
Isso vale para qualquer tipo de preconceito.
Que eu possa sempre combater meu preconceito aos carnívoros, que eu possa me perdoar por ter sido tão cruel com os médicos-legistas e que o Cinema possa sempre me dar vários tabefes na cara, me fazendo acordar para a vida e me ensinando de forma lúdica, a ser uma pessoa melhor a cada dia – ou a cada sessão. Amém!
Mas o que transbordou e me tirou o sono desde então, foi justamente a questão que está sempre me espreitando atrás da porta: o preconceito. Caramba, se tem uma coisa que me deixa de cabelo em pé, com a veia do pescoço saltada, espumando e com o olho vermelho de raiva... é o tal do preconceito. E mesmo tentando sempre ser uma pessoa justa e tolerante, eu ainda me pego muitas vezes com a boca na botija, julgando uma coisa sem conhecer a fundo, opinando sobre algo que nem sempre tenho o direito de.
Eu sempre tive o maior preconceito com médico-legista. Achava que uma pessoa que escolhia como profissão viver debruçado sobre cadáveres, tinha que ter algum tipo de desvio de comportamento. Porque eu própria tinha um total e absoluto estranhamento de corpos de pessoas mortas. Vamos combinar que quase todo mundo tem. É um mistério profundo para gente. Me lembro quantas vezes me peguei pensando nos milhares de corpos se soltando dos escombros do avião da Air France no fundo do mar. Imaginava aquela cena e não dormia mais. Me lembro de olhar para o corpo da minha tia-avó no caixão e dizer: “Mas onde foi parar aquela alegria?” Só sei que depois de assistir ao filme, muitas coisas dentro de mim se dissolveram e tomaram outra proporção.
A história do músico desempregado que só arranja emprego como nokanshi, apesar do preconceito de todos e dele mesmo, é uma lição profunda sobre a morte... e a vida. Na cultura japonesa, a profissão de 'nokanshis' é uma combinação entre agente funerário e religioso, mas não é exatamente nenhuma das duas ocupações, é algo único. Um nobre trabalho de lavar, vestir e preparar os corpos para os parentes enlutados e ajudá-los numa melhor travessia. Tanto para quem morreu, como para quem ficou.
Tem uma cena ótima em que o chefe dele se atraca com uma coxinha de galinha, logo depois de ter cuidado de um corpinho que estava há mais de duas semanas morto. Ele, totalmente enojado, constata então a morte do pobre animal. “Sim – diz o senhor – estes estão melancolicamente mortos”. Naquele momento me bateu como um soco no estômago meu difícil processo de estar sempre tentando vegetariar. Já perdi a conta de quantas vezes tive que me explicar, em brigas homéricas, por não querer comer coisas que tenham olhos. Já perdi a conta de quantas vezes me aborreci por enfrentar o preconceito das pessoas, que acham que eu me acho superior porque não como carne. Meu Deus, eu vivo uma luta diária. Sou praticamente uma vegetariana anônima, porque enfrento todos os dias, todos os tipos de dificuldades. O mundo não é vegetariano e por isso existem poucas alternativas para quem não come carne e o que tem é sempre mais caro.
Mas enfim, Anna Sewell, escritora inglesa, disse uma frase assim:
“Se nós vemos coisas erradas ou crueldades, as quais temos o poder de evitar e nada fazemos, nós somos coniventes.”
Isso vale para qualquer tipo de preconceito.
Que eu possa sempre combater meu preconceito aos carnívoros, que eu possa me perdoar por ter sido tão cruel com os médicos-legistas e que o Cinema possa sempre me dar vários tabefes na cara, me fazendo acordar para a vida e me ensinando de forma lúdica, a ser uma pessoa melhor a cada dia – ou a cada sessão. Amém!
Pois eu vou te confessar um pecado. Eu como carne. Não tanto as vermelhas ultimamente, mas mesmo assim como. Nasci na roça e como eu poderia evitar de comer a galinha que a minha bisavó Tavinha fazia no fogão a lenha com a couve fininha que só ela sabia cortar? Maldade seria não comer.
ResponderExcluirMas sobre a vida e a morte, é claro que temos preconceitos (e como eu gostaria de me livrar deles), mas todos os dias "partimos um pouco", todos os dias deixamos para trás o ontem pensando no amanhã. Meu preconceito é contra aqueles que não pensam no hoje e vivem ansiosos querendo que o futuro amanheça antes da hora. Estes não vivem, vegetam. E não são vegetarianos!
Deste filme lindo que é "A partida", fiquei com um pensamento sobre os nokanshis (obrigado Tati, não sabia ou não lembrava do filme que eles tinham este nome.) Acho que todos nós deveríamos cuidar do outro, de embelezá-lo enquanto estamos vivos. Nesta cultura tão egoísta em que vivemos, que tal se nos dispuséssemos a ter um gesto solidário com o outro hoje e não amanhã?
Um bj 'hoje' pela sensibilidade da sua escrita,
C. Eduardo
Tatiana querida, eu, carnívora assumda, só posso te dizer uma coisa. Bom mesmo, é ter você de volta, escrevendo pra gente saborear o seu melhor.
ResponderExcluirbeijo grande,
Letti
Eu, como sua grande e vegetariana amiga, penso que temos nossas escolhas embasadas em nosso conhecimento, vivência e sentimentos. Hoje busco um vegetarianismo calado, respeito completamente o que cada um coloca em seu prato. Mas com certeza ser legista parece frio, e precisa de preparo desapego da "carne", hehehe
ResponderExcluirBjs, Micka
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAdorei o que escreveu, principalmente sobre o preconceito.Penso que seja uma luta diária mesmo. Eu não tenho o costume de escrever com frequência no meu blog, e justamente nessa semana, escrevi algo que também fala do preconceito. Achei uma coincidência ler algo que também tocasse nesse assunto, logo na primeira vez que li o seu blog.
ResponderExcluirAdorei =)
Verei o filme!
I called you many, many times last night, after seeing Julie&Julia... From heaven: Meryl, Child, their passion, the blog and the book, their quest, the sudden discipline - necessary to all endeavors, Adams and her incomparable sweetness, their talent, their love and their lovers… Everything about the movie reminded me of you… Today is my birthday, and the best gift ever is to have you!
ResponderExcluirSista
O inverno tá passando, Tati?
ResponderExcluirBeijo!
Marcos
Tati, esse filme é realmente incrível. Eu não saberia dizer o estado emocional e espiritual em que saí do cinema. A visão que este filme trás sobre a morte é realmente linda. Transformou muitas coisas dentro de mim. A vida ficou mais leve. A morte é uma passagem muito bela. Estamos voltando para onde viemos, para a Terra.
ResponderExcluirSobre o preconceito, ele está realmente aí, a qualquer momento, tomemos consciencia dele, comecemos assim.
Beijos e carinho.
Jujuba
Telink,
ResponderExcluirNão fico muito a vontade neste ambiente estranho onde todos lêem nossas conversas mais particulares. Te escrevo porque te conheço e porque pensei em você quando assisti este filme. Aliás, pensei em você, na Val, na Flavinha, na Déia, penso muito em nossas jornadas e neste preço estranho que pagamos por não termos certezas se fracassamos em nossa pulsação artística e se, consequentemente, somos seres não realizados.
Vi no filme estas questões que você abordou: preconceito, morte (vc deve lembrar do meu problema com a morte). Mas o que me fez lembrar da gente, o que me tocou neste filme foi a arte inserida na profissão “nokanshi”. A arte inserida em tudo aquilo que realizamos com amor, com identificação, com talento, com vida. Este talvez seja o verdadeiro encontro – nossa identificação mais pessoal com uma ação que produz ao mundo, as pessoas um retorno e nos dá a certeza de nossa razão de existir.
Eu não sei se justifico a minha razão de existir por esta vontade de fazer teatro. Eu me apenas me sinto realizado quando esta vontade de fazer teatro encontra um espectador que diz que aquelas duas horas de peça lhe serviram para a vida – mesmo que esta pessoa seja meu sobrinho ou um amigo próximo. Que a minha direção ajudou uma integrante do elenco a perceber melhor o teatro. Este encontro é maravilhoso, ele é que me dá o preenchimento de existir. De alguma forma, esta questão está ligada ao último texto que vc postou.
O que eu vi neste filme foi o encontro de um homem com algo que ele fazia, entendia, percebia e devolvia ao mundo com grande prazer e talento – um encontro que buscamos por toda a vida. Quando as pessoas, após ele realizar o seu trabalho, lhe buscavam para agradecer e presentear , todos os preconceitos eram vencidos, sua realização estava completa – salários, títulos, posição social – tudo fica neste momento pequeno e parte de uma enorme cegueira ao estilo de nosso amigo Saramago.
A cena mais linda – aquela em que ele toca violoncelo a beira de uma estrada – sozinho. Aquela é a sua realização pessoal, porque ninguém poderá tirar este direito dele e nosso de praticarmos arte. Mas não temos o direito de não realizarmos para o mundo e para a sociedade – enfim, para as pessoas, aquilo pelo qual temos talento, competência, inteligência e que na última instância produz a razão de existir – fazer parte da construção da vida em conjunto – vida social.
Somos mães, contadores, atores, escritores, pais, engenheiros, lixeiros, faxineiros – numa troca permanente. Eu preciso muito das suas palavras num blog, das suas lições como mãe e esposa e quem sabe da sua maturidade num palco – nós sempre precisamos daquilo que as pessoas tem de melhor para dar e nos envergonharmos ou inferiorizarmos isto talvez seja o maior crime contra a vida.
Tem um outro filme que lembrei de você, lembrei da gente – menos feliz é verdade. Chama-se “Foi apenas um sonho” com o Leonardo DiCaprio e a Kate “Winslet” (acho que o nome dela está errado). Se vc não viu – veja! Pra mim os dois filmes falam deste encontro entre tarefa e vida.
Numa cena final a personagem da Kate vira para o Dicaprio e diz: Você devia se orgulhar do seu trabalho. Ele é um executivo de uma empresa de computadores e é bom nisso. Eu ainda me pergunto, e ela... encontrou ou percebeu no que ela era boa?
Quem sabe a gente não consegue se encontrar de novo para trocar.
Um beijão,
Molinari.
Tita,inacreditavel seu texto sobre seu anjo miudo!!!Obrigada por tanta inspiração...
ResponderExcluirTe amo da sua irmã
Manoela